São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2010

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ENSAIO

Miragens

por KIKE MARTINS DA COSTA

O fotógrafo Miro, 61, apresenta a série "Vaidades", com fotos inéditas, que integra seu livro de retrospetiva "Miro – O Artesão da Luz"

No dicionário, miro significa "enxergo, vejo, observo". Nas agências de publicidade, no universo da moda e na história da fotografia brasileira, Miro é um fotógrafo obcecado em realizar um trabalho exatamente como visualizou. É por isso que ele quase não fotografa mais para revistas. "Eu gosto de liberdade para fazer um trabalho autoral. A fotografia editorial é uma criação coletiva, com muita gente palpitando. E as produções estão cada vez mais pobres, reproduzindo publicações gringas. Isso inibe a criação, deixa tudo pasteurizado", afirma à Serafina algumas semanas antes da publicação de "Miro – O Artesão da Luz" (Luste Editores, 194 págs.).
O livro compila 150 dos melhores trabalhos realizados por ele em 40 anos de carreira e será lançado em 23 de novembro, no evento Pense Moda, na Faap (Fundação Armando Álvares Penteado). Entre imagens de campanhas publicitárias superproduzidas, retratos bem construídos e trabalhos pessoais, talvez o momento mais primoroso de toda sua obra seja a série "Vaidades", que foi fotografada no início dos anos 90, quando se viu em meio a crises de pânico.
As fotografias dessa época (que ilustram este ensaio) são inspiradas em quadros figurativos e naturezas-mortas pintadas por mestres renascentistas e barrocos, como Rembrandt, Tintoretto, Caravaggio, Velázquez, Botticelli e El Greco. A luz, as cores e o cuidado com os detalhes das imagens são a expressão máxima de seu perfeccionismo a qualquer custo.
"Para o Miro, o dinheiro sempre virava detalhe. Se preciso, ele abria mão do pagamento para não entregar uma foto que não estivesse do jeito que queria", pontua a publicitária Magy Imoberdorf, com quem trabalhou em mais de 300 campanhas, e entrega: "Eu me entendia com Miro por telepatia, porque ele praticamente não fala". Além de calado, Miro tem uma deficiência auditiva que o acompanha desde os 25 anos e, garante, nunca o incomodou.
Para ele, o clique perfeito não significa necessariamente correto. "Tenho atração especial pela beleza fora do padrão. A mulher mais interessante não é necessariamente a mais bonita. As lindas são preguiçosas. A exceção é Gisele Bündchen, que é maravilhosa e trabalha concentrada. Sempre surpreende."

FOCO
Quando deixou Bebedouro, no interior de São Paulo, em 1969, Azemiro de Souza não pensava em ser fotógrafo. Só havia prestado serviço militar e trabalhado na loja do pai. Mas queria ser publicitário. Ao chegar à capital, foi trabalhar em um laboratório de fotografia e descobriu que gostava mesmo era de fotografar. Começou a tirar fotos, foi morar em Paris e passou a produzir imagens para campanhas e revistas do Brasil e do exterior, como "Vogue", "Elle", "Status" e "Marie Claire". "Aprendi muito acompanhando o trabalho de criação midiática. A [editora de moda] Regina Guerreiro me ensinou a alucinar". A modelo Bronie que o diga –ficou horas pendurada em um cenário que reproduzia uma partitura para um editorial idealizado pela dupla. Grande parte do material de "Miro – O Artesão da Luz" teve de ser recuperada e tratada digitalmente, porque a maioria dos negativos do fotógrafo foi destruída por uma inundação em seu estúdio no Pacaembu. Hoje, Miro está instalado num galpão na Pompéia –bairro que também sofre alagamentos–, onde pratica a profissão do pai e do avô. "Eles eram joalheiros e relojoeiros. E, agora, sexagenário, comecei a produzir joias. Não sei como explicar essa coincidência infeliz, mas a fotografia autoral é um ofício em extinção e a ourivesaria também. Acho que é a minha sina."

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