São Paulo, terça-feira, 21 de dezembro de 2004

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experimentar

A maconha de D.

Gilberto Dimenstein
colunista da Folha

Ajudado por psiquiatras, D., 25, está experimentando a maconha como remédio para se livrar do vício do crack. "Por enquanto está funcionando", diz. "Para ele, esse recurso é um mal menor", completa o psiquiatra Marcelo Niel, do Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes), da Universidade Federal de São Paulo. Niel faz o acompanhamento semanal de D., que, além do recurso da redução de danos -no caso, a troca do crack pela maconha-, toma remédios e faz terapia. "Fiz várias tentativas de parar com o crack, mas tinha recaídas", conta D., que resolveu se tratar depois que já não conseguia mais estudar ou trabalhar. Nesse ponto, já tinha perdido seus amigos. Com as recaídas, vinham surtos de depressão. Na Universidade Federal de São Paulo, ele viu uma nova possibilidade: a de usar a maconha como uma espécie de truque para enganar o crack. "No início, achei esquisito, mas resolvi tentar." O objetivo era apenas reduzir a "fissura" provocada pela falta do crack. Inicialmente, mesmo usando esse "truque", ocorriam recaídas, mas elas foram se tornando mais espaçadas. Há dois meses ele se mantém longe do crack. "Estou conseguindo manter o controle." O testemunho é confirmado pela mãe de D. "Sinto meu filho mais seguro." A vida se tornou menos difícil para D. também porque ele começou a namorar. "Minha namorada virou um ponto de contato", afirma. Ele sabe que ainda tem um longo caminho pela frente e sabe que, nesse jogo, a cura é difícil. "Vou ter que me controlar sempre." Esse roteiro de D. faz parte de uma experiência do Proad, da qual participa Marcelo Niel, em que viciados em crack são estimulados a praticar a redução de danos -até aqui, os resultados são animadores. Muitos deixaram o crack e, depois, a maconha. "Mas só funciona se tomar remédios e também passar por terapia", adverte D. O desejo dos pesquisadores é facilitar a vida do viciado, tirando-o do contato com a marginalidade. Eles querem que médicos possam, oficialmente, prescrever maconha a viciados em outras drogas. "O fato de não me sentir culpado por usar maconha está me ajudando a me respeitar mais", diz D.


Gilberto Dimenstein, 47, é jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha e faz parte do board do programa de Direitos Humanos da Universidade de Columbia (EUA). Criou a ONG Cidade Escola Aprendiz, em São Paulo.

gdimen@uol.com.br



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