São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 2005

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Muito além de Porto Velho

Renato Janine Ribeiro
colaboração para a Folha

A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) não concorda que haja, salvo exceções, desemprego de doutores no Brasil. Temos um bom indicador: neste ano, quando abrimos o edital do Prodoc (uma bolsa que permite fixar um doutor num curso de pós-graduação), poderiam ser solicitadas até 2.000 bolsas, uma vez que cada programa de pós-graduação podia pedir uma. Só recebemos 700 pedidos. Não há desemprego digno de nota dos doutores na academia.


A lei atual exige que, nas universidades, um terço do corpo docente seja formado por mestres ou doutores, o que está tendo o efeito perverso de levar algumas instituições a demitir doutores para contratar mestres


Há dois destinos principais para mestres e doutores. O primeiro é o ensino superior. Dos 254.157 docentes de ensino superior, 21% têm doutorado e 35% têm o mestrado como titulação mais alta. A lei atual exige que, nas universidades (e só nelas), um terço do corpo docente seja formado por mestres ou doutores, o que está tendo o efeito perverso de levar algumas instituições a demitir doutores para contratar mestres. No entanto, como o Brasil formou 8.094 doutores e 27.630 mestres em 2003 e como esses números sobem de 10% a 15% ao ano, podemos muito bem ter a meta de titular com doutorado a maioria esmagadora dos professores universitários em 15 anos.
Para isso, a lei tem de aumentar a exigência atual, que se tornou tímida. O projeto de reforma universitária do Ministério da Educação eleva a proporção para metade do corpo docente nas universidades e introduz a exigência de um terço nos centros universitários e nas faculdades. Por proposta da Capes, metade dessas proporções será composta por doutores. É um grande avanço. A Capes sugere que a lei sinalize uma expansão crescente do número de doutores, fazendo com que, em dez ou 15 anos, 90% dos docentes das universidades tenham doutorado e 90% dos professores dos centros e faculdades tenham mestrado.
Sabemos que essas exigências podem ser difíceis. O projeto também exige, para uma instituição ser universidade, que ela tenha três cursos de mestrado e um de doutorado. Isso só é atendido por 69 das atuais 168 universidades. Mas, quando exigimos algo, é bom dar os meios de atendê-lo. Por isso, a Capes e a Financiadora de Estudos e Projetos estão montando um projeto que, entre financiamentos de longo prazo e apoio mediante bolsas (a fundo perdido), capacitará as 99 outras instituições a criar mestrados e doutorados. Isso elevará o número de instituições de ensino superior com pós-graduação stricto sensu das atuais 220 para mais de 300, criando também doutorados para além de Porto Velho e Belém, as fronteiras oeste e norte do nosso doutoramento.
O segundo destino dos mestres e doutores é o setor profissional. Cada vez mais, as empresas e os setores sociais da administração pública precisam de gente altamente capacitada. Estamos investindo nisso, mediante o mestrado profissional e outras ações. Se cada município do Brasil tiver um mestre profissional em gestão, nas secretarias de Saúde e de Educação, faremos uma revolução em dois setores fundamentais para enfrentarmos nossa dívida social. Se subirmos a capacitação de engenheiros para o setor produtivo, aumentará muito a nossa produtividade. Se melhorarmos o ensino de ciências, nossa educação dará um grande salto qualitativo.
Um problema sério é a ainda pequena contratação de doutores pelas empresas. Uma pesquisa financiada pela Capes mostrou, há alguns anos, que 34,5% dos mestres e 68,8% dos doutores iam para a docência universitária. Assim, dois terços dos mestres e um terço dos doutores eram aproveitados fora da academia, em organismos de Estado ou empresas. No entanto, a absorção de doutores pelo setor produtivo era pequena, não chegando a 6% dos doutores (embora passasse de 20% no caso dos mestres). Esses dados incluem tanto as empresas públicas quanto as privadas.
Esse é um dos grandes desafios do Brasil: fazer a empresa privada assumir a causa da pesquisa. O capital privado não investe o bastante nas áreas de ciência e tecnologia e ainda contrata poucos profissionais com doutorado ou mesmo mestrado. Embora há tempos o governo federal conceda bolsas especiais e renúncia fiscal para as empresas que desejam investir nesses profissionais, ainda falta uma maior participação empresarial na ciência e na tecnologia no Brasil.

Renato Janine Ribeiro , professor titular de ética e filosofia política da USP, atualmente é diretor de avaliação da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)


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