São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 2005

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Gilberto Dimenstein
colunista da Folha

Médico faz diagnósti co da política

O oftalmologista Cláudio Lottenberg nunca parou de fazer cursos. Além da pós-graduação, complementou os estudos de sua especialidade na Europa e nos Estados Unidos. Para gerir o hospital Albert Einstein, sinônimo de excelência médica até mesmo para os parâmetros internacionais, Lottenberg se matriculou em programas de gestão hospitalar em duas faculdades. Nada disso se compara, em intensidade de aprendizado, à sua experiência de cinco meses trabalhando com saúde pública -da qual quase saiu doente. Com isso, ele aprendeu a ver melhor como funciona a política. "Foi uma espécie de pós-graduação."
Presidente do Albert Einstein, onde todos os procedimentos são acompanhados e avaliados, Lottenberg se tornou, no início deste ano, secretário municipal da Saúde em São Paulo, onde pouca coisa é medida e avaliada. Ele ainda está sistematizando tudo o que aprendeu nessa "pós-graduação intensiva", mas uma dessas lições é a relação entre mídia e saúde, ponto onde residiu sua incapacidade para se manter no cargo além de cinco meses. "Não estava preparado para lidar com o problema da visibilidade."
Lottenberg sabia que no setor público existem escassos indicadores, programas são interrompidos por causa de oscilações políticas e há dificuldade de comunicação entre departamentos e servidores. "Me sentia preparado para apresentar soluções técnicas." Ele não sabia, porém, de um detalhe da política: num tempo de pesquisas de opinião periódicas para avaliar o desempenho do governo, não basta apenas fazer, é preciso mostrar. A sobrevivência do governante está, segundo ele, na sua capacidade de fazer bem feito e de dar visibilidade às suas ações. "O problema é que nem sempre essa visibilidade tem a ver com consistência."
Os processos consistentes, segundo Lottenberg, são demorados, complexos e custam a "dar notícia", ou seja, demoram para exibir resultados. Nas entrelinhas, ele diz que os governantes e seus assessores de imagem e de marketing são obrigados a alimentar a mídia de eventos. "Existe um processo natural de demandas numa sociedade democrática e uma justificada angústia com o quadro da saúde, mas também existe uma pressa da mídia por resultados, a qual os políticos têm de atender."
Nada disso deixou Lottenberg pessimista. Tanto a população, em geral, como a mídia, em particular, segundo ele, estão aprendendo a entender não só os eventos mas também os processos. Ele, pelo jeito, aprendeu que faltou-lhe um curso: o de práticas políticas em sociedades midiáticas.


Gilberto Dimenstein, 47, é membro do Conselho Editorial da Folha e faz parte do board do programa de Direitos Humanos da Universidade de Columbia (EUA). Criou a ONG Cidade Escola Aprendiz, em São Paulo.
@ - gdimen@uol.com.br



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