São Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 2005

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Perfil

O explorador marítimo Robert Ballard vive atrás de navios afundados, não esconde o orgulho de ter revelado a localização dos destroços do Titanic e anuncia qual é o seu maior objetivo: encontrar alguém que siga seus passos

Descobridor dos sete mares

Leandro Beguoci
da reportagem local

Robert Ballard queria ser um personagem de ficção, mas virou mesmo é Robert Ballard, um personagem da vida real. Como o Capitão Nemo, personagem de Júlio Verne no livro "20.000 Léguas Submarinas" e ídolo de Ballard na infância, o professor e explorador marítimo já participou de mais de cem expedições no mar, constrói os barcos e os equipamentos que usa e sente que tem uma missão a realizar no mundo. Crescido, percebeu que tinha menos afinidades com o seu ídolo de menino. O Capitão Nemo tinha dinheiro para patrocinar suas aventuras, Ballard foi militar de reserva e seus projetos são financiados, principalmente, pela Marinha e pelo Departamento de Comércio (por meio do escritório de administração oceânica e atmosférica) dos EUA. Nemo vivia no oceano, Ballard passa "apenas" cem dias por ano sobre as águas. A principal diferença entre os dois: Nemo afundava navios e a especialidade de Ballard é resgatá-los do fundo do mar. Entre suas conquistas estão os mais antigos navios já encontrados, fenícios, mas ele só ficou famoso quando achou o Titanic, há 20 anos. Hoje, essa glória é motivo de orgulho e tristeza para o explorador.
O motivo de orgulho é porque, desde que o Titanic afundou -em 1912, matando cerca de 1.500 pessoas-, uma legião de caçadores de tesouros abriu uma temporada de caça aos destroços, mas enfrentava dificuldades como as condições polares da região da ilha de Terra Nova, onde o barco bateu em um iceberg. Enviar uma equipe de mergulhadores era impossível, já que o barco, descobriu-se depois, estava a 4.000 metros de profundidade. Por último, faltavam equipamentos, embora dinheiro não fosse um problema para os interessados. No começo dos anos 80, o empresário norte-americano Jack Grimm, um magnata do petróleo, patrocinou três expedições em busca do Titanic, nas quais gastou, em valores da época, US$ 2 milhões. Antes, Grimm havia procurado a Arca de Noé e o Monstro do Lago Ness, na Escócia. Até mesmo Walt Disney tentou achar o navio: gastou US$ 70 mil só em estudos sobre a viabilidade da iniciativa. Tamanho investimento se justificava pela expectativa de resgatar as riquezas deixadas pelos passageiros, que estavam entre os mais ricos de sua época.

Enquanto para os outros o resgate do Titanic era uma empreitada comercial, para Ballard era um projeto de vida. Fanático pelo barco, lia tudo a respeito: relatos de viagem, ficção, estudos. Além dessa obsessão, ele tem paixão pelo mar desde pequeno: cresceu nas cercanias de um dos maiores e mais antigos institutos oceonográficos do mundo, o Scripps, ligado à Universidade da Califórnia, nos EUA. Ballard sempre desejou estudar por lá, mas, como foi reprovado no programa de admissão, teve de ir para a Universidade de Rhode Island, onde recebeu seu Ph.D em geologia oceonográfica, em 1974, aos 32 anos. Antes do título, ele já trabalhava no Instituto Oceonográfico Woods Hole, onde permaneceu por 30 anos. "Não ser aprovado no Scripps foi o principal obstáculo que tive de enfrentar na minha carreira", diz ele, em entrevista exclusiva à Folha, por e-mail. Os serviços prestados por Ballard serviam a interesses claros. Durante a Guerra Fria, conhecer com detalhes a geografia marítima era uma política governamental estratégica. Os militares tinham dois objetivos quando a Marinha aprovou o pedido de Ballard para pesquisar o Titanic, em 1982, e aceitou pagar quase US$ 150 milhões entre o desenvolvimento e a criação do sistema de robôs que localizou os destroços. O primeiro era conhecer melhor as profundezas próximas ao Ártico e saber como um ataque russo procederia na região. O segundo era entender como e em que velocidade a madeira se deteriora. Havia planos para revestir submarinos com madeira e assim bloquear radares inimigos. Para Ballard, a exploração marítima se justifica por outro motivo: "Há mais história nas profundezas dos oceanos do que em todos os museus do mundo juntos". Hoje, aos 63 anos, seu alvo são navios afundados há 4.000 anos, durante a Idade do Bronze, e alguns dos tempos da Grécia Antiga. Com a vida mais tranqüila, ele divide seu tempo entre a mulher, os três filhos e as aulas de oceonografia na Universidade de Rhode Island -ele já tem 18 livros publicados como pesquisador, entre eles "A Descoberta do Titanic" (Orion Publishing, 287 págs., R$ 51,60). A confiança inabalável de que o mar é um museu a ser prevervado levou Ballard a quebrar acordos e a brigar com parceiros. E aí o Titanic se torna uma lembrança dolorosa para o pesquisador. Quando achou os destroços, recusou-se a dizer a localização exata para evitar que depredassem o monumento submerso. Na época, afirmou que o Titanic parecia "contente" na posição em que se encontrava e refutou todas as tentativas de tirar o barco e seus objetos do mar. Isso contrariava um acordo entre a França e os EUA, que dividiram os custos da missão e queriam repartir também o que porventura fosse achado. Assim que a descoberta foi anunciada, Ballard e o Ifremer, o instituto de pesquisa e exploração marítima da França, que também colaborou com a empreitada, brigaram porque o instituto queria vender as fotos do navio, mas o norte-americano decidiu divulgá-las gratuitamente. Ballard não pôde resistir por mais tempo. Em 1987, uma equipe francesa começou a primeira operação sistemática de resgate dos objetos. Ballard chamou os franceses de "piratas modernos", embora seja uma empresa norte-americana, a RMS Titanic, que hoje detém o direito de explorar o barco e os seus objetos comercialmente. Desde 1985, mais de 5.000 peças já foram retiradas do que restou do transatlântico, entre alfinetes e estojos para lâminas de barbear de ouro, anéis de diamante, garrafas de vinho, um aparelho de telex e o cofre do capitão. Atualmente, além de continuar a luta pela preservação do barco -"Quero transformar o Titanic em um museu submarino, desde que as pessoas não tirem nada do lugar"-, seu objetivo é descobrir algo que está em terra firme, mas pode ser tão difícil de achar quanto um barco afundado: "Meu maior desejo é encontrar estudantes que sigam os meus passos". Segundo Ballard, o candidato tem de saber muito bem química, física e também história e arqueologia. "Depois, deve se candidatar a uma vaga no meu curso de arqueologia oceonográfica na Universidade de Rhode Island."

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