São Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 2005

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Caminho das pedras

Os versos de Fernando Pessoa estão em declarações de amor e em teses acadêmicas, mas pouca gente sabe quem foi o escritor; veja por onde você pode começar

O poeta não morreu

Adriano Schwartz
especial para a Folha

"Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena" ou "para ser grande, sê inteiro". Muita gente repete esses pedaços de versos sem saber que eles foram escritos por Fernando Pessoa (1888-1935), considerado por inúmeros críticos o principal poeta da língua portuguesa no século 20. É bastante comum, inclusive, que essas menções às vezes invertam o sentido que tais palavras tinham em seus contextos anteriores. Isso nem é tão grave: não deixa de ser uma prerrogativa do leitor. Mas a verdade é que conhecer esses e outros poemas do escritor também não faz mal nenhum. Muito pelo contrário. Nome central do modernismo em Portugal, Fernando Antônio Nogueira Pessoa mudou-se ainda criança com a família para a África do Sul, onde passou a infância e a adolescência. Ou seja, foi educado em inglês, língua na qual também escreveu muitos poemas (e outros vários tipos de texto, até um interessantíssimo guia turístico de Lisboa, "What the Tourist Should See", O que o Turista Deve Ver). Em 1905, retornou a seu país para estudar letras, curso que abandonou dois anos depois, período em que começou a se envolver com o universo artístico e intelectual de Lisboa, iniciando suas atividades, que logo se tornariam intensas, com grupos de vanguarda e revistas literárias, bem como travando amizade com autores como Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros. Foi nessas revistas, aliás, que apareceu boa parte dos poemas que ele publicou em vida -um número muito maior deles só seria conhecido postumamente, a partir da abertura da mitológica "arca" na qual estavam guardados. O escritor é muito famoso pela invenção dos "heterônimos", poetas com biografias e obras próprias que chegavam até a polemizar entre si. Eles são três: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis. Existe ainda um "semi-heterônimo", Bernardo Soares, autor do fabuloso "Livro do Desassossego ", e mais de 70 outros "seres", menos definidos, que podem ser chamados de "personalidades literárias". Ensinada em muitas das nossas escolas normalmente de modo absoluto, essa divisão entre "ortônimo" (Fernando Pessoa "ele-mesmo") e "heterônimos" é bem menos precisa e definida do que se pensa, como alguns dos mais importantes estudiosos do autor vêm mostrando. Está presente ali, principalmente em poemas escritos mais para o final da vida do autor, um grande jogo de indiferenciação e conflito. Fernando Pessoa morreu no dia 30 de novembro de 1935, após uma crise hepática. Pouco antes do fim, suas últimas palavras teriam sido: "Dá-me os óculos...".


Adriano Schwartz é professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP-Leste e autor de "O Abismo Invertido" (Globo, 184 págs., R$ 29).


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