São Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 2005

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"Caminho das pedras"

Passos

1) "Não sou nada./ Nunca seria nada./ Não posso querer ser nada./ À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo." Assim começa "Tabacaria", de Álvaro de Campos, e por aí poderia começar qualquer candidato a leitor de Fernando Pessoa. Um irônico "manual de auto-ajuda literário" não hesitaria em afirmar: conheça o "Esteves sem metafísica" e mude sua vida.

2) Aí, você pode pensar em que lugar encontrará esse e outros poemas do escritor. Há muita coisa na internet, mas a leitura em um livro é incomparável. A melhor opção, no caso, ainda é a "Obra Poética", da Nova Aguilar: em um único volume, tem-se quase tudo o que de mais importante ele produziu. Quem preferir edições mais atualizadas pode comprar ou pegar de alguma biblioteca os lançamentos recentes de- dicados ao autor pela Companhia das Letras.

3) De Fernando Pessoa "ele-mesmo", é imprescindível "Mensagem", livro épico-místico-político que condensa nas suas poucas páginas a história de Portugal e relê os "Lusíadas", de Camões. É nele que está o poema "Mar Português" ("Ó mar salgado, quanto do teu sal/ São lágrimas de Portugal!/ Por te cruzarmos, quantas mães choraram, / Quantos filhos em vão rezaram!/ Quantas noivas ficaram por casar/ Para que fosses nosso, ó mar!// Valeu a pena? Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena./ Quem quer passar além do Bojador/ Tem que passar além da dor./ Deus ao mar o perigo e o abismo deu,/ Mas nele é que espelhou o céu.") e peças fundamentais como "O Monstrengo" e "Nevoeiro". Também do ortônimo, para conhecer o seu lado mais esotérico, vale ler "Eros e Psiquê".

4) Alberto Caeiro, o mestre de todos, é o autor do sempre citado "O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,/ Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/ Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia", que faz parte da série "O Guardador de Rebanhos", escrita, de acordo com Pessoa, num "dia triunfal" de sua vida.

5) Já o médico e poeta neoclássico Ricardo Reis é, provavelmente, o menos conhecido dos heterônimos. Reflexivo, dedicado a estudar os valores de um mundo com o qual não queria se envolver, ele talvez exija uma lentidão a que não estamos mais acostumados. Se vale a pena? Tudo vale a pena... Uma dica: comece pelo poema "Os Jogadores de Xadrez" (na edição da Aguilar, ele não tem o título, mas leva o número 337).

6) Romance desordenado, diário íntimo de um homem parado, teatro sem ação: diversas são as maneiras de qualificar o "Livro do Desassossego", de Bernardo Soares, mistura de confronto final entre as várias facetas do pensamento literário de Fernando Pessoa e exposição cruel do homem contemporâneo. Fundamental.

7) Há algumas biografias do escritor, entre elas a recente "Estranho Estrangeiro" (ed. Record), de Robert Bréchon, ou as de Ángel Crespo e António Quadros. Mas, se tiver de escolher uma só, é mais seguro ficar com a clássica (1950) "Vida e Obra de Fernando Pessoa", de João Gaspar Simões (Publicações Dom Quixote, Lisboa). Especificamente sobre o período sul-africano, consulte "Os Dois Exílios", de H.D. Jennings.

8) O escritor também virou motivo ficcional de outros autores, artistas plásticos e cineastas. E aí, o projeto mais bem-sucedido é de longe o de José Saramago, em "O Ano da Morte de Ricardo Reis" (Companhia das Letras).

9) Não faltam no Brasil, em Portugal e em outros países estudiosos dessa obra múltipla, produzindo nas últimas décadas um volume considerável de trabalhos dos mais variados (e, às vezes, disparatados) tipos. Entre as críticas de primeira linha, fique com três apostas mais do que certas: "Pessoa Revisitado" (Gradiva), de Eduardo Lourenço, "Aquém do Eu, Além do Outro" (Martins Fontes), de Leyla Perrone-Moisés, e "O Álibi Infinito" (Imprensa Nacional, Lisboa), de Ettore Finazzi-Agró. Para uma abordagem filosófica, leia "Diferença e Negação na Poesia de Fernando Pessoa" (Relume-Dumará), de José Gil.

10) Se, por fim, você quiser ver uma amostra da produção e das idéias daquelas mais de 70 "personalidades literárias" criadas pelo português, procure os dois tomos de "Pessoa por Conhecer" (Edi-torial Estampa, Lisboa), de Teresa Rita Lopes, e seja apresentado a, por exemplo, Alexander Search, Vicente Guedes, Dr. Pancrácio, Charles Robert Anon, Barão de Teive, Antonio Mora e Efbeedee Pasha.

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