São Paulo, Segunda-feira, 01 de Março de 1999
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BAÍA DE TODOS OS SANTOS
Carnaval com 20 mil turistas dificulta acesso à praia do Rio Vermelho, local do ritual de Iemanjá
Religião se perdeu entre a folia dos trios

MÔNICA RODRIGUES DA COSTA
Editora da Folhinha

Há 20 anos, no Dia de Iemanjá, o baiano certamente estaria no bairro do Rio Vermelho olhando as pessoas mergulharem nas ondas os presentes à deusa; as baianas darem passes na areia; os homens levarem os barcos até o fundo para entregar as oferendas e as ondas trazendo-as de volta. O mar sujo de flores, milho branco, esmaltes de unhas, pentes de plástico. Há 20 anos, havia mesas e cadeiras para os visitantes e espaço para as pessoas caminharem.
Hoje, cerca de 20 mil pessoas participam dessa festa centenária. Atualmente, a festa reúne turistas que querem se divertir atrás do trio elétrico num carnaval alucinado.
A homenagem à santa negra perdeu o sentido religioso. O trio elétrico que passava no largo do Rio Vermelho este ano impedia as pessoas de chegarem à praia para acompanhar de perto o ritual.
A polícia cercou a praia, e mesmo assim houve assaltos. Os visitantes presenciaram os meninos entrarem no mar, pegarem frascos da lavanda "Alfazema" e venderem a novos turistas desejosos de participar da homenagem.
Mas a festa sempre foi um evento turístico. Uma espécie de atestado de que essa religião já é aceita na Bahia, depois de o candomblé ter deixado de ser caso policial. Os terreiros, para funcionarem, precisavam de registro na polícia.
Na manifestação popular, os religiosos não faziam alarde ao rezar na praia, levando os trabalhos preparados nos terreiros para entregar ao mar -originado dos seios lacrimosos da deusa, que se esvaíram e deram origem aos oceanos. Mas isso foi há muito tempo.
No sincretismo, Iemanjá é relacionada a Nossa Senhora da Conceição. Inúmeros baianos católicos, que jogaram os búzios de Ifá (jogo de adivinhação) e descobriram ser ela seu orixá protetor fazem trabalhos para Iemanjá com o argumento de que "se bem não faz, mal também não".
Inúmeros baianos católicos usam roupas das cores dos seus santos em dias especiais, mesmo que não acreditem em sorte. Assim, Salvador atravessa gerações que continuam a misturar Cristo, Carnaval e candomblé.


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