São Paulo, segunda-feira, 01 de julho de 2002

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Com história política atribulada, situação econômica do país é motivo de piada na internet

Argentinos fazem chiste sobre crise atual

DO ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

"El país estaba al borde del abismo y con Duhalde hemos dado un paso adelante." A piada, que circula na internet, mostra a descrença dos argentinos em relação à recuperação de sua economia.
Enquanto o câmbio US$ 1=1 peso figurou na Constituição, o país viveu um período de vacas gordas, ou falsamente gordas.
No fim do segundo governo de Carlos Menem, a paridade peso/ dólar experimentou as intempéries da retração econômica e do alto índice de desemprego, problemas que o tempo agravou.
Fernando de la Rúa, que sucedeu Menem, governou entre 1999 e 2001 e acabou caindo, engolfado pela crise da paridade das moedas, que em dezembro deixou rastros de sangue pelas ruas.
Hoje, o câmbio despenca para quase US$ 1=4 pesos, enquanto os argentinos têm à testa Eduardo Duhalde, um presidente que ninguém elegeu e que peleja para conseguir fechar um acordo com o FMI e para tourear o desemprego que se estende à metade da população economicamente ativa da Argentina (de cerca de 14 milhões de pessoas).
Mas, enquanto a paridade durou, a dolarização, adotada em 1991 para debelar a hiperinflação, financiou a modernização de Buenos Aires, mudando a face de áreas urbanas como Puerto Madero (vejo texto à pág. F13).

UCR X peronismo
Dona de uma história política atribulada, a Argentina, que tem seu palácio de governo na Casa Rosada (1884), conquistou a independência no início do século 19 -e tem na figura do general José de San Martín seu "libertador".
San Martín, que era maçom e por isso tem seu mausoléu num anexo da catedral metropolitana de Buenos Aires, foi o herói pátrio que "triunfou em San Lorenzo -1813", "afirmou a independência argentina - 1816", "passou os Andes - 1817" e "levou sua bandeira emancipadora ao Peru e ao Equador - 1817/1822", conforme está inscrito no seu túmulo, guardado pelos granadeiros, uma guarnição de 200 soldados engalanados que juraram fidelidade eterna ao poder constituído.
Nascido na Argentina e educado em Madri, San Martín atravessou a cordilheira na altura de Mendoza, a 1.200 km de Buenos Aires, com destino ao Chile, pelo menos meia dúzia de vezes.
Um século depois da independência, em 1916, o país elegeu o presidente Hipólito de Yrigoyen, membro do partido União Cívica Radical (UCR), considerado o primeiro partido latino-americano das classes médias.
A UCR esteve no poder até 1930, quando foi deposta por um golpe militar. Dois anos depois, a democracia seria restaurada, pelo menos até a eclosão, na Europa, da Segunda Guerra (1939-45).
Consoante com as figuras então em voga nos países que gravitavam em torno do nazi-fascismo, surgiu na Argentina, em 1943, um novo líder político: o coronel Juan Domingo Perón (1895-1974).
Perón, que, como subsecretário de Guerra liderou o golpe contra a Presidência de Ramón Castillo, tornou-se, depois, caudilho. Sua atuação foi tão determinante, que acabou por mudar o panorama partidário.

Evita
Mas Perón, que esteve presente na vida política do país por quatro décadas, deveu muito do seu sucesso ao carisma de Evita, nascida Eva Duarte (1919-1952). Atriz de rádio, Evita casou-se com ele. Em 1945, Perón finalmente tornou-se ministro da Guerra e, a seguir, vice-presidente da República.
Apoiado na popularidade de Evita, Perón venceu as eleições de 1946. Foi reeleito em 1951 e, no ano seguinte, Evita morreu de câncer, sendo aclamada como "chefe espiritual da nação". Teve então início uma crise política que, em 1955, derrubou o governo, enviando Perón em 1961 para o exílio na Espanha.
Em 1973, a Argentina estava pronta para mais uma dose de peronismo. Héctor Cámpora, que havia vencido as eleições, renunciou para abrir espaço para a volta do velho caudilho, então casado com Isabelita.
Juan Domingo Perón morreu em 1974 e sua mulher, vice-presidente do país, governou até 1976, quando outro golpe de Estado, militar, mudou o rumo da política. Chefe da junta militar que tomou o poder, Jorge Rafael Videla fechou o Congresso e iniciou a "guerra suja", que fez água quando, em 1982, outro general, Leopoldo Galtieri, declarou guerra à Inglaterra pela posse das ilhas Malvinas.
O resto é história recente: a Argentina foi derrotada militarmente pelos ingleses, mas a democracia voltou a reinar em 1983, quando Raúl Alfonsín, da UCR, venceu as eleições. Não conseguiu, no entanto, controlar a inflação e acabou abrindo espaço para os peronistas liderados por Carlos Saúl Menem.
Líder do partido Justicialista (peronista), Menem foi eleito e reeleito e tentou mudar a Constituição para disputar a Presidência por uma terceira vez consecutiva. Em 2001, esteve preso sob acusação de tráfico internacional de armas e, agora, está novamente tentando voltar à cena política.
Há quem ridicularize suas intenções -e a internet, a propósito de fazer piada, também traz, nesses dias de crise e de ameaça de "contágio" da economia brasileira, uma frase atribuída a ele no fim de seu segundo governo: "La deuda que le estoy dejando al país no es externa, es eterna".
(SILVIO CIOFFI)



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