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OLHA O TREM
Já em 1885, ano das primeiras exibições dos irmãos Lumière, o veículo invadiu a tela e nunca mais partiu
Cinema nasceu e cresceu sobre os trilhos
especial para a Folha
O filme está chato? Basta colocar
um trem chegando à estação, as
rodas rangendo metalicamente, a
fumaça poluindo o ambiente, as
pessoas que aguardam, os passageiros que descem, os carregadores, os maquinistas... o burburinho. Os trens não servem só para
transportar, mas também para
animar a festa do cinema.
O cinema nasceu com um trem
invadindo a sala de projeção.
"L'Arrivée du Train" (Chegada de
um Trem) foi um dos filmes exibidos pelos irmãos Lumière por volta de 1895, ano1 da arte cinematográfica. Segundo consta, a platéia
se assustou com aquela locomotiva que "ameaçava" sair da tela.
E foi um trem que marcou o primeiro faroeste e o primeiro filme
norte-americano de peso.
"The Great Train Robbery" (O
Grande Assalto ao Trem), que Edwin S. Porter rodou em 1903, copiava filmes britânicos.
Após roubar um carro do correio, bandidos assaltam um trem,
são perseguidos e, por fim, presos
por policiais ... a cavalo.
O filme serviu de modelo para
inúmeras produções, de "O Assalto ao Trem Pagador" (1962), de
Roberto Farias, a "O Primeiro Assalto ao Trem" (1979), de Michael
Crichton.
Mas o filme não serviu de modelo para o assalto real ao trem pagador inglês efetuado nos anos 60,
com a mãozinha de Ronald Biggs
-já em 1855, ocorria o primeiro
assalto a um trem.
Premonição
De "The Great Train Robbery"
para a frente, o trem não saiu de
cartaz. Às vezes, cumpriu até funções premonitórias.
Em "Le Tunnel sous la Manche"
(O Túnel sob a Mancha), de 1907,
Georges Méliès mostrava um choque de trens no túnel.
No final da semana passada, uma
das companhias que operam o sistema Eurostar,
o trem que cruza o canal da
Mancha, quase
faliu.
Há sempre
um trem para
servir às tramas mais verazes ou absurdas. São tantos
filmes que seguem esse roteiro quanto as
estrelas da antiga Metro.
Quase sempre, o trem
-ou a estação
ferroviária, ou
os passageiros,
ou os maquinistas- é um
elemento circunstancial,
um ator coadjuvante.
Em "Pacto
Sinistro"
(1951), de Alfred Hitchock,
dois homens
trocam favores
criminosos
num vagão de
passageiros; em "Matar ou Morrer" (1952), de Fred Zinnermann,
um bandido deve chegar no trem
do meio-dia; em "Sangue sobre a
Índia" (1959), de J. Lee Thompson,
um oficial inglês protege o filho de
marajá numa viagem.
E mais, em "Quinteto da Morte"
(1955), de Alexander Mackendrick, bandidos resolvem diferenças numa passagem de nível.
Já em "Quanto mais Quente Melhor" (1959), de Billy Wilder, músicos travestidos se juntam a uma
banda feminina numa excursão de
trem; em "Quinteto Irreverente"
(1982), do italiano Mario Monicelli, amigos se despedem, com tapas
no rosto, dos passageiros de um
trem.
Os trens também foram "protagonistas". "A General" (1927), de
Buster Keaton e Clyde Bruckman,
é um exemplo clássico.
Combate a nazistas
Keaton é o maquinista do Sul que
conduz a locomotiva The General
na guerra civil norte-americana,
cruzando as linhas inimigas.
A "estrela" do filme era uma locomotiva já usada em "Nossa Hospitalidade" (1923), de Keaton e
Jack Dlystone.
"O Trem" (1964), de John Frankenheimer, conta uma história da
resistência francesa.
Burt Lancaster é o chefe de estação que luta para que os nazistas
não levem um trem repleto de
obras de arte.
No filme "O Expresso de Von
Ryan" (1965), de Mark Robson, é
Frank Sinatra quem luta, para libertar 600 prisioneiros, contra os
nazistas.
Na série "Expresso", aliás, há
muito mais. Marlene Dietrich enfrenta o amor e a revolução em "O
Expresso de Shangai" (1932), de
Josef von Sternberg.
Joseph Cotten é capturado por
bandidos em "O Expresso de Pequim" (1951), de William Dieterle;
Gene Wilder vive paixões e confusões em "Expresso de Chicago"
(1976), de Arthur Hiller.
Na paz e na guerra
"Aliança de Aço" (1938), de Cecil B. De Mille, conta a história da
construção da estrada de ferro que
liga os Estados Unidos de costa a
costa. "Trens
Estreitamente
Vigiados"
(1966), de Jiri
Menzel, mostra a Segunda
Guerra a partir
da perspectiva
de uma estação.
"Quando a
Mulher Erra"
(1953), de Vittorio De Sica,
narra uma história de adultério no cenário
da Stazione
Termini, de
Roma.
Às vezes, o
protagonista é
o profissional
ferroviário. Em
"La Roue" (A
Roda), que
Abel Gance rodou em 1921,
Séverin Mars é
o maquinista
que adota uma
órfã, apaixonando-se.
Em "O Ferroviário" (1956),
de Pietro Germi, o próprio diretor
interpreta um maquinista com
problemas em casa.
Em "O Homem da Linha"
(1986), de Jos Stelling, Jim Van Der
Woude é um ferroviário solitário.
Se falta emoção, o trem pode ser
a solução. É assim em "Assassinato
no Expresso Oriente" (1974), de
Sidney Lumet, uma história de
Agatha Christie sobre trilhos; em
"A Travessia de Cassandra"
(1976), de George Pan Cosmatos,
com terroristas e vírus a bordo; em
"Expresso para o Inferno" (1985),
de Andrei Konchalovsky, com fugitivos num trem sem freios.
Piada
Os trens também podem rir. Isto
é, propiciar boas gargalhadas.
"Viuvinha Indomável" (1959), de
Richard Quine, mostra uma mulher em luta com o dono de uma
ferrovia.
"Butch Cassidy" (1969), de George Roy Hill, conta com humor as
peripécias de uma dupla (Robert
Redford e Paul Newman) que vive
de assaltar trens e bancos.
"Jogue a Mamãe do Trem"
(1987), de Danny DeVito, é uma
paródia alucinada ao filme "Pacto
Sinistro".
Mais longe das gargalhadas, nos
filmes de David Lean há sempre
um trem na paisagem. Em "Desencanto" (1945), o mais elogiado de
seus filmes intimistas, uma estação
ferroviária é o cenário para uma
história de amor.
Grandes produções
O "cinemão" também investiu
no transporte sobre os trilhos. Nas
superproduções "A Ponte do Rio
Kwai" (1957), "Lawrence da Arábia" (1962) e "Doutor Jivago"
(1965), por exemplo, os trens fazem parte da trama.
Em outras paragens, o trem tem
serventia mais poética.
Em Federico Fellini, ele é o veículo que conduz a outras realidades. É assim em "Os Boas-Vidas"
(1953), no qual a estação ferroviária é a única saída para os rapazes
de província, e em "A Cidade das
Mulheres" (1980), no qual a travessia de um túnel é uma passagem para o sonho.
Ação, e muita, também é uma
presença significativa em várias
produções. Um trem descarrila em
"O Maior Espetáculo da Terra"
(1952), de De Mille; outro atravessa uma parede em "Joe Kidd"
(1972), de John Sturges.
Um outro leva refugiados em "O
Último Trem" (1973), de Pierre
Granier-Deferre; um terceiro conduz traficantes de armas em "Um
Trem do Inferno" (1976), de Tom
Gries.
Um trem vai, um trem vem. E o
cinema continua fiel a "L'Arrivée".
(FEDERICO MENGOZZI)
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