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RIO SAGRADO
Escadas distribuídas por 7 km do leito fluvial reúnem o povo que faz rituais que vão do casamento à cremação
Dia-a-dia de Varanasi deságua no Ganges
NA ÍNDIA
O dia começa cedo em Varanasi, uma das mais antigas e religiosas cidades do mundo. Ao surgirem os primeiros raios de sol, a cidade, no lado oeste do Ganges
-o rio mais sagrado da Índia-,
e suas famosas escadarias, construídas ao longo do leito do rio,
despertam em ritmo frenético.
Logo cedo, o povo da cidade alcança as escadarias distribuídas
ao longo de sete quilômetros, na
margem esquerda do rio, e que
dão acesso a ele.
As 98 "ghats", como são chamadas essas escadas de concreto, representam a ligação entre o terrestre e o divino. Acredita-se que
o Ganges desaguou diretamente
do céu para a Terra. Ao nascer do
lado oposto da cidade, o sol vai
gentilmente iluminando as escadarias e as construções -assim
como o rosto daqueles que aos
poucos surgem das vielas estreitas
da parte antiga da cidade.
Embora aos olhos ocidentais o
Ganges seja apenas um rio poluído e impróprio para o banho, isso
não importa para os indianos,
pois, ao se banharem ali, suas almas são purificadas.
Homens, mulheres, crianças e
idosos de todas as castas chegam
não só para o tal banho sagrado
mas também para praticar ioga,
fazer oferendas aos deuses hindus
e rezar para "mother ganga", nome carinhoso dado ao rio.
Ao clarear o dia, os indianos já
são muitos. Trajando roupas coloridas, trazem jarros nas mãos
usados para o banho. É com essa
peça que, depois, eles levam a
água para casa. Em minutos, o rio
está tomado de gente.
Estima-se que cerca de 6.000
pessoas visitem o Ganges por dia.
E a música, composta por centenas de vozes que cochicham mantras (espécie de reza) em homenagem a Shiva ou a outras divindades, pode ser ouvida de longe.
Erguida há cerca de 2.500 anos,
Varanasi, acreditam os hindus, foi
a cidade escolhida por Shiva para
morar com sua mulher, Parvati,
logo após o casamento. Shiva, o
deus da destruição, é o mais poderoso do panteão hindu. Por isso a
cidade é tão especial para o hinduísmo, religião que alcança 80%
da população do país.
Apesar de Varanasi ser considerada por historiadores uma das
mais antigas cidades do mundo, a
maioria das suas construções tem
apenas algumas centenas de anos
de idade.
A última invasão sofrida pela cidade foi dos muçulmanos afegãos, que destruíram templos e
arrasaram construções antigas,
no século 14. Depois disso, Varanasi foi reconstruída.
O destino preferido dos indianos é a Dasaswamedh Ghat, carinhosamente apelidada pelos viajantes ocidentais de "centro do
universo". Lá, o nascer do dia é
celebrado diariamente. Exatas 12
horas depois, o dia se encerra no
local com uma cerimônia religiosa em homenagem ao sol.
Nessa hora, dezenas de sinos
são tocados, e indianos de todas
as partes do país comparecem em
seus melhores trajes.
Na Dasaswamedh, todo o caos
da Índia parece entrar em harmonia. Tem o vai-e-vem dos barcos
transportando os indianos na volta da feira ou fazendo passeios
com turistas de todos os cantos do
mundo. Os mais numerosos são
os japoneses, enrolados em panos
para evitar o assédio do povo local
-uma das maiores lições de paciência que os turistas têm de desenvolver na viagem ao país.
Há também massagistas, que literalmente andam em cima das
costas de seus clientes; barbeiros,
que na rua mesmo raspam as cabeças dos meninos órfãos, que
tradicionalmente passam por esse
ritual quando seus pais morrem e
são cremados próximo ao local.
É curioso saber que, ao envelhecer e prever a chegada da morte,
hindus de várias regiões do país
seguem em uma viagem só de ida
a Varanasi. O motivo? Querem
morrer lá e realizar o último desejo de sua encarnação na Terra:
que suas cinzas sejam jogadas nas
águas do rio sagrado.
Dizem que Varanasi abriga centenas de viúvas. Na Dasaswamedh, reúnem-se indianos de
castas superiores, que chegam para dar esmolas aos intocáveis
-da casta mais inferior- e garantir sua evolução na Terra.
Os hindus acreditam em reencarnação e crêem que seu comportamento em vida determina se
nascerão em uma casta superior
ou inferior na vida seguinte. Essa
é a única forma de mobilidade social. Quem nasce em uma casta
morre na mesma casta.
Tudo isso acontece ao mesmo
tempo em Dasaswamedh. É possível passar dias inteiros sentado
em seus degraus, só observando a
movimentação, tomando "chai"
(bebida típica indiana, uma mistura de chá preto, leite e temperos) e provando as delícias da comida de rua.
(CLAUDIA JORDÃO)
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