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VIAGEM LITERÁRIA
Às margens do Sena, Shakespeare and Co., que apareceu em "Antes do Pôr-do-Sol", é um local quase mítico
Livraria em Paris atrai turistas das letras
LUÍS SOUZA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Quem assistiu a "Antes do Pôr-do-Sol" pode ter ficado curioso
para saber se a livraria parisiense
em que se passam as primeiras cenas do filme existe fora das telas.
Jesse, o escritor interpretado por
Ethan Hawke, conversa com jornalistas em um estabelecimento
às margens do rio Sena.
Sim, a Shakespeare and Company existe e é exatamente como
mostrada no filme. Se você foi a
Paris, por certo já a viu, mas provavelmente não a notou. A livraria fica no número 37 da rue de la
Bûcherie, ao lado da catedral de
Notre Dame.
Mesmo quem a notou, a não ser
que seja fanático por livros ou versado em literatura anglofônica,
pode desconhecer a história por
trás daquele lugar apertado comandado por um velhinho de
aparência excêntrica e sua bela filha e que vende livros majoritariamente em inglês.
A Shakespeare and Co. foi aberta em 1919, em outro endereço,
pela americana Sylvia Beach. Era
um misto de livraria e biblioteca,
com sistema de assinatura e pagamento de taxa por livros emprestados. Também era um ponto de
encontro e endereço postal. Ali se
organizavam leituras e dava-se
aos escritores refúgio dos rigorosos invernos de Paris.
Entre os seus freqüentadores
contam-se nomes como o do dramaturgo inglês Bernard Shaw, os
dos poetas americano Ezra Pound
e francês Paul Valéry, o do romancista francês André Gide e,
claro, o do escritor irlandês James
Joyce -além da "geração perdida" de
escritores americanos, cujos
maiores expoentes foram Ernest
Hemingway e F. Scott Fitzgerald.
Joyce foi, inclusive, o responsável indireto pelo fechamento do
negócio de Sylvia Beach. Ela continuou a tocar o estabelecimento
até um dia de 1941. Paris vivia sob
a ocupação alemã. Um oficial nazista veio à livraria e quis comprar
o exemplar do livro de Joyce "Finnegan's Wake" autografado pelo
autor e que ficava em exposição
na vitrine. Ela se recusou a vendê-lo. O oficial disse que voltaria com
soldados e confiscaria todos os livros do local, além de fechá-lo para sempre. Ela então chamou os
amigos, tirou todos os livros dali e
pintou a fachada. Algumas horas
mais tarde, quando o oficial voltou acompanhado, não havia
mais sinal da livraria.
Dez anos mais tarde, o também
americano George Whitman, o
velhinho de aparência excêntrica
que ainda hoje pajeia os freqüentadores da Shakespeare and Co.,
mudou-se para Paris e fundou
uma livraria nos moldes da de
Sylvia, de quem era admirador.
Chamou-a Le Mistral. Ficava ao
lado da Notre Dame e serviu de
ponto de encontro para toda a
"geração vencida" de escritores
americanos, como os beatniks
que nos anos 50 tomaram de assalto a literatura dos Estados Unidos. Na Le Mistral, por exemplo, o
poeta Allan Ginsberg passou algumas temporadas.
Em 1964, Whitman passou a
usar o nome Shakespeare and
Co.. Sylvia Beach, que era sua
amiga e organizava chás literários
na Le Mistral, havia lhe dado a autorização antes de morrer, em
1962, já que o espírito do empreendimento era o mesmo: ajudar escritores e divulgar a literatura escrita em inglês. Em sua homenagem, George deu à filha o
prenome de Sylvia Beach. Ela é
quem hoje cuida do local.
Em "Antes do Pôr-do-Sol",
quando Jesse diz a Céline que passou a noite na livraria, trata-se de
uma cena que bem poderia acontecer na realidade. Além de leituras às segundas às 20h, a Shakespeare and Co. também tem quartos à disposição de escritores. E
qualquer escritor -mesmo que
não tenha nada publicado- pode ficar lá, desde que convença
George e Sylvia de que tem talento. Se alguém quiser tentar, envie-lhes algo escrito em inglês. Se gostarem, vão determinar o tempo de
permanência no quarto. Mas o
dia não ficará livre para passeios.
Em troca, George e Sylvia pedem
uma hora diária de trabalho e a
leitura de um livro por dia.
Os turistas podem visitar o local
e comprar um livro. Caso esteja
chovendo ou venha um cansaço
de passeios convencionais, é uma
boa opção passar um tempo na
biblioteca do andar superior. Não
custa nada e pode-se ainda bater
um papo com George e Sylvia.
Livros Essenciais
Sugestões de leitura? Aqui vão
três, tiradas do site da livraria
(www.shakespeareco.org): "Paris é uma Festa", de Hemingway,
em que há até um capítulo sobre a
livraria; "On the Road", a bíblia
dos mochileiros, do beat Jack Kerouac; e, para algo mais moderno,
"A Arte de Viajar", do intelectual
pop Alain de Botton.
Esses livros ou quaisquer outros
comprados na Shakespeare and
Co. vêm com um carimbo na segunda página. Algo para guardar
orgulhosamente na estante após
terminada a leitura.
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