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São Paulo, segunda-feira, 03 de março de 2003

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FERNANDO GABEIRA

Sonho do turismo não morre à beira-mar

Quando estourou a nova onda de violência no Rio, discutíamos num seminário o futuro do turismo no Brasil.
Ônibus e carros ardiam, supermercados eram saqueados, e calculávamos como fazer com que em quatro anos dobrasse o número de visitantes no país.
Quase nos imolamos na fogueira do pessimismo, quando soubemos das notícias do dia e de sua repercussão internacional. A paz e a beleza natural do Brasil não querem dizer nada aos turistas se eles forem informados desses choques de rua.
A análise dos fatos mostra que nem tudo está perdido. Tanto a violência como a poluição das praias poderiam ser reduzidas se houvesse uma política correta. Neste momento de pânico, a turma do mata e esfola ganha evidência. Políticos e jornalistas sabem que o público está emocionado e muitos propõem mais repressão, pois sabem que é um caminho real para a simpatia popular.
Minha posição, cada vez mais minoritária e isolada, é a de que a ênfase deveria ser dada a um sistema sofisticado de informação. Falo com alguma experiência. Em 1992, cobri a sucessão de saques no Rio.
Com um pouco de sensibilidade e um desses ousados motoristas de jornal, conseguia chegar aos saques no momento em que aconteciam ou, algumas vezes, até um pouco antes. A Polícia Militar me acusou de organizar o movimento, porque subestimava a informação e achava impossível chegar tão pontualmente.
No período da luta armada, jamais circulariam cinco homens num só carro, pois a hipótese de serem parados pela polícia era muito grande.
No Rio, a julgar pelos relatos, eram 50 homens armados deslocando-se pelas ruas. Em poucas grandes cidades do mundo um movimento dessa envergadura não seria detectado. Desde o domingo à tarde, circulavam boatos nas comunidades indicando que alguma coisa iria acontecer.
Muitos sonham com o Exército nas ruas. Mas não é essa a maior contribuição das Forças Armadas. O ideal seria tencionar todos os órgãos de informação num trabalho solidário. E avançar um pouco na tecnologia da informação e da segurança, ambas indústrias multimilionárias.
Aqui em Brasília é fácil encontrar gente querendo vender sistemas integrados, novas técnicas. A oferta está aumentando à medida que as empresas sentem que esse mercado da segurança é um dos mais promissores.
Combinar o uso da informação com recursos tecnológicos modernos não vai acabar com o tráfico de drogas. Nem despoluir as praias vai impedir que em dias de tempestade muita sujeira se desloque para o mar. Ambas, no entanto, são tentativas de acabar com essas ondas de indignação com medidas de curto prazo.
Também é evidente que, resolvidas as duas coordenadas, os turistas não se voltarão em massa para o Brasil. Outras condições precisam ser preenchidas. Fica difícil formular uma política nacional para atrair 8 milhões de pessoas sem que setores como ambiente e segurança pública sejam integrados.
Uma política de turismo já é complexa demais em si mesma. Lula é um entusiasta do avanço dessa indústria no Brasil. Lembro que em suas férias em Búzios, antes do início da campanha, o único compromisso público que aceitou foi participar de um seminário sobre ecoturismo.
Infelizmente os pepinos se acumulam, e a gente nem sempre pode manter o foco no turismo. Agora é a hora de formular uma política adequada.
Há estudos, como o de Cang-Seen Ooi, que se concentram no turismo cultural, há exames de planejamento em vários países feitos por William G. Gartner e, entre muitos outros numa rica bibliografia, até ensaios sobre sexualidade e turismo, como o estudo sobre visitantes gays em Amsterdã de H. Hughes no livro "Managing Tourism in Cities".
Uma boa notícia é que o Parlamento deverá ter uma comissão permanente para debater o turismo. Pelo menos será mais um pólo de formulação e de ajuda aos centros de implementação tanto em escala federal como local.
Essa ajuda é vital. Uma das possibilidades é criarmos um serviço só para orientar iniciativas locais. Contribuir com cada região interessada em explorar seus recursos turísticos. Esse núcleo é uma dessas coisas que sinto que posso botar de pé, embora ainda não saiba como, se em forma de ONG ou de um instituto. Vamos primeiro ao software; depois compramos mesa, algumas cadeiras, um computador e um telefone.
A meta de dobrar o número de turistas em quatro anos é possível, apesar dos incêndios. Algo que Lula poderia admitir logo é que o turismo, além de abrir empregos, traz divisas e se qualifica com isso aos mesmos estímulos fiscais do setor exportador. Seria um belo pontapé inicial.



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