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LITORAL PAULISTA
Restaurante Porto Galo fica isolado na praia da Justa e tem apenas dois pratos, ambos bem brasileiros
Banana diferencia peixada em Ubatuba
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
O melhor caminho é pelo mar.
Na ponta da praia de Ubatumirim, em Ubatuba (litoral norte
paulista) há uma placa fincada na
areia: "Porto Galo Transporte". O
canoeiro fica por ali, pronto para
levar os fregueses até a praia da
Justa, do outro lado do morro.
Oceanofóbicos têm a opção da trilha -dez minutos de caminhada.
Mas nada bate a chegada de canoa, enfrentando o mar aberto até
entrar na baía, onde fica o mais
improvável restaurante do Brasil.
Com certeza não é o melhor
nem tem essa pretensão. Mas deve ser o mais bonito, em toda sua
simplicidade. A mera presença do
Porto Galo nesse lugar já seria o
bastante para comover qualquer
um. Foi construído há oito anos,
tijolo por tijolo e tábua por tábua
transportados de barco.
Simplicidade relativa: as mesinhas e os bancos são de madeira e
não de plástico. A casa ao fundo
sugere mais as montanhas do Colorado (EUA) do que o litoral
paulista. Os pratos são de louça
branca, os talheres, os clássicos de
madeira e aço, os copos são de vidro, e a cerveja é gelada.
Tem música, infelizmente. Deve
ser por conta dos fregueses que
passam o dia na praia, beliscando
iscas de cação, cuscuz e lula frita.
Mas é bem baixinha e, comparada
ao padrão geral, passa.
O cardápio vai direto ao ponto:
moqueca de peixe e peixe à caiçara. O primeiro todo mundo sabe
como é; o outro pede explicação.
Feito na panela de barro, consiste
em duas postas generosas de dourado (peixe leve e saboroso, pescado no dia), cozidas num molho
de tomate (feito com tomates pelados italianos) e manjericão, onde participam também as bananas (bem maduras, não verdes,
como é tradicional). Acompanha
arroz branco, quente e solto, e
desnecessárias batatas fritas.
A diferença são as bananas. Dão
um acento delicado e inusitado ao
peixe. E transportam tudo para a
esfera tropical -a anos-luz dos
linguados com molho de camarão
e camarões gratinados da praia.
No meio dessa baía incrível, ao
som do mar e à luz do céu profundo, o Porto Galo serve uma comida essencialmente brasileira. Satisfaria índios e condes.
Há sobremesas (sorvetes, papaia etc.), assim como antes havia
coquetéis e caipirinhas. Mas pode-se deixar os excessos de lado e
pedir direto o café, feito na hora.
Balançar antes do almoço é uma
coisa; depois, outra, muito mais
arriscada. Convém voltar por terra; e não só para ajudar a digestão,
mas também porque a paisagem
da trilha é deslumbrante: mata
atlântica cerrada, depois um panorama aberto da serra do Mar.
Como tudo o que é bom dura
pouco, as notícias sobre o restaurante são alarmantes. Ao que se
diz, o proprietário, neto de portugueses, quer vender tudo e mudar
para a terrinha. Oxalá seja só expressão temporária de cansaço.
A comida e a paisagem do Porto
Galo são únicas. E a existência
desse lugar, onde gente tão séria e
tão cordial serve estranhos como
se fossem de casa, tem um sentido
que vai além da comida. Talvez
seja isso, aliás, que dá outro gosto
às bananas.
Porto Galo - Praia da Justa; Ubatuba
(SP); prato principal: R$ 30, para dois
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