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São Paulo, segunda-feira, 03 de março de 2003

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LITORAL PAULISTA

Restaurante Porto Galo fica isolado na praia da Justa e tem apenas dois pratos, ambos bem brasileiros

Banana diferencia peixada em Ubatuba

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

O melhor caminho é pelo mar. Na ponta da praia de Ubatumirim, em Ubatuba (litoral norte paulista) há uma placa fincada na areia: "Porto Galo Transporte". O canoeiro fica por ali, pronto para levar os fregueses até a praia da Justa, do outro lado do morro. Oceanofóbicos têm a opção da trilha -dez minutos de caminhada. Mas nada bate a chegada de canoa, enfrentando o mar aberto até entrar na baía, onde fica o mais improvável restaurante do Brasil.
Com certeza não é o melhor nem tem essa pretensão. Mas deve ser o mais bonito, em toda sua simplicidade. A mera presença do Porto Galo nesse lugar já seria o bastante para comover qualquer um. Foi construído há oito anos, tijolo por tijolo e tábua por tábua transportados de barco.
Simplicidade relativa: as mesinhas e os bancos são de madeira e não de plástico. A casa ao fundo sugere mais as montanhas do Colorado (EUA) do que o litoral paulista. Os pratos são de louça branca, os talheres, os clássicos de madeira e aço, os copos são de vidro, e a cerveja é gelada.
Tem música, infelizmente. Deve ser por conta dos fregueses que passam o dia na praia, beliscando iscas de cação, cuscuz e lula frita. Mas é bem baixinha e, comparada ao padrão geral, passa.
O cardápio vai direto ao ponto: moqueca de peixe e peixe à caiçara. O primeiro todo mundo sabe como é; o outro pede explicação. Feito na panela de barro, consiste em duas postas generosas de dourado (peixe leve e saboroso, pescado no dia), cozidas num molho de tomate (feito com tomates pelados italianos) e manjericão, onde participam também as bananas (bem maduras, não verdes, como é tradicional). Acompanha arroz branco, quente e solto, e desnecessárias batatas fritas.
A diferença são as bananas. Dão um acento delicado e inusitado ao peixe. E transportam tudo para a esfera tropical -a anos-luz dos linguados com molho de camarão e camarões gratinados da praia. No meio dessa baía incrível, ao som do mar e à luz do céu profundo, o Porto Galo serve uma comida essencialmente brasileira. Satisfaria índios e condes.
Há sobremesas (sorvetes, papaia etc.), assim como antes havia coquetéis e caipirinhas. Mas pode-se deixar os excessos de lado e pedir direto o café, feito na hora.
Balançar antes do almoço é uma coisa; depois, outra, muito mais arriscada. Convém voltar por terra; e não só para ajudar a digestão, mas também porque a paisagem da trilha é deslumbrante: mata atlântica cerrada, depois um panorama aberto da serra do Mar.
Como tudo o que é bom dura pouco, as notícias sobre o restaurante são alarmantes. Ao que se diz, o proprietário, neto de portugueses, quer vender tudo e mudar para a terrinha. Oxalá seja só expressão temporária de cansaço.
A comida e a paisagem do Porto Galo são únicas. E a existência desse lugar, onde gente tão séria e tão cordial serve estranhos como se fossem de casa, tem um sentido que vai além da comida. Talvez seja isso, aliás, que dá outro gosto às bananas.

Porto Galo - Praia da Justa; Ubatuba (SP); prato principal: R$ 30, para dois


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