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MONTE SELVAGEM
A escalada da montanha de 6.580 metros na Argentina é um exercício de adaptação do organismo
Alpinista encara a rebeldia do Tupungato
RODRIGO ASTIZ
free-lance para a Folha
Escalar os mais de 6.000 metros
do monte Tupungato, na Província argentina de Mendoza, é uma
verdadeira lição sobre os efeitos da
altitude no organismo humano.
Dois meses depois de optar pela
subida, montamos em duas das
seis mulas de nosso comboio saindo do refúgio de montanha do
Exército argentino e entrando no
vale do rio Tuna, a porta e o caminho para o coração da cordilheira
dos Andes.
Andar em uma mula não é fácil
para quem não tem experiência,
muito mais se você faz isso durante
12 horas seguidas.
As mulas em geral não obedecem, param e andam quando querem, empacam no meio do rio, numa luta à parte.
Essa é a primeira provação imposta pelo Tupungato. No primeiro dia, percorremos mais de 25
quilômetros e fizemos um desnível
de 1.800 metros, o equivalente a
subir duas vezes e meia a altura da
serra do Mar, chegando ao primeiro acampamento, a 3.800 metros.
Paisagem mutante
À medida que subimos, a paisagem se transforma. Na entrada do
vale avistam-se árvores, arbustos e
vegetação rasteira.
Aos poucos, a vegetação vai desaparecendo até que sobram apenas pedras e guanacos, animais
que dominam as altitudes dos Andes e são parentes das lhamas.
Em várias oportunidades, dá para ver bandos de guanacos correndo pelas encostas a mais de 4.000
metros de altura.
Quando descemos das mulas, no
local do primeiro acampamento,
sentimos qual seria a segunda provação. Quanto maior a altitude,
menor a concentração de oxigênio
no ar -e, respirando menos oxigênio do que o de costume, o corpo logo reclama.
Sente-se um cansaço mortal, falta de ar, de apetite e enjôo. E foi
assim que passamos essa primeira
noite (e muitas outras) na montanha, dormindo ao ar livre.
Junto conosco estavam o sargento Daniel Pintat e o soldado Osvaldo, nossos guias e companheiros
nos dois primeiros dias de montanha. Eles ajudaram a amenizar o
mal-estar da altitude oferecendo o
eficaz mate com açúcar.
Ajuda castrense
Os militares argentinos são um
capítulo à parte. Sem eles, a viagem não teria sido possível, já que
nos apoiaram com a logística para
a aproximação da montanha.
O contato começou, pelo telefone, com o major Valentin Ugarte,
do Regimento de Infantaria de
Montanha, dos Andes.
Ele e muitos dos militares do regimento são andinistas no sentido
mais amplo da palavra: não são
apenas bons montanhistas da cordilheira dos Andes, mas também
apaixonados pela vida na região.
O major Ugarte, por exemplo,
explora o Tupungato há mais de 15
anos, está abrindo um caminho
novo e conhece toda sua história.
Foi ele quem destacou o sargento
Pintat para nos levar com as mulas
até o passo para o vale do Tupungato, conhecido como Portezuelo
del Fraile.
O susto
De Portezuelo avista-se o impressionante monte Tupungato, a
4.700 metros de altitude, mas ainda há uma boa distância a ser percorrida. E, dali para a frente, a caminhada é feita sem a ajuda dos
militares argentinos.
Junto com a excitação, um certo
receio toma conta dos andinistas,
e a expedição toma proporções antes não imaginadas.
Uma coisa é ouvir as orientações
pelo telefone. Outra é chegar até lá
e ver a dimensão da montanha e
das dificuldades a enfrentar.
"Cuidem-se e não se arrisquem
à toa. A montanha não vai sair daqui, e sempre haverá outras chances para escalá-la". Essas foram as
últimas palavras de Pintat antes de
se despedir. Só dali a dez dias ele
voltaria para nos buscar.
Andar no lombo das mulas pode
ser até desagradável, mas elas levam o peso das mochilas. Agora,
essa árdua e bem pesada tarefa seria só nossa.
Com 30 quilos nas costas cada
um, começamos a descida de mais
de 500 metros rumo ao fundo do
vale do rio Tupungato.
Réveillon
O objetivo agora era chegar ao pé
da montanha para armar o acampamento, base de onde partiríamos para a escalada.
Em 31 de dezembro, montamos
nosso primeiro acampamento às
margens do rio Tupungato, com a
montanha atrás de nós. E passamos o réveillon dormindo.
Nunca havíamos ficado tão isolados. Estávamos no meio dos Andes, a pelo menos dois dias de viagem do refúgio militar.
Não tínhamos rádio e não havia
mais ninguém. Nem aviões cruzaram essa região: as rotas passam 80
km ao norte.
Além disso, os efeitos da altitude
sobre o organismo são bem pesados. A todo momento, lembrávamos de uma frase de Pintat que se
tornou o nosso lema: "Caminhem
como velhos para chegar como
crianças". É preciso andar devagar, parando para respirar.
Tudo isso faz o estado físico e
psicológico variar muito. Uns
acordam de manhã animados e
dispostos. Outros raramente se
sentem bem de manhã.
À tarde pode ocorrer o inverso.
Aquele que acorda bem fica mal, e
o outro melhora. Isso é bom porque um pode animar o outro.
Rio café-com-leite
O rio Tupungato nasce do degelo
das geleiras da montanha e corre
no sentido sul-norte, chegando até
a região do Aconcágua.
No começo do vale, o que parecem pequenos morros são, na verdade, os restos da geleira que cobre toda a região, coberta agora
por areia e pedras.
Nesse trecho, por exemplo, todo
o rio sai de uma caverna de gelo.
Sua água é carregada de sedimentos e tem cor de café-com-leite.
Nos primeiros dias fomos obrigados a tomar dessa água, já que
não havia outra opção melhor.
Não existe vegetação, exceto por
uma pequena planta que insiste
em crescer no meio das pedras. Vimos apenas uma espécie de pássaro e uns poucos insetos.
Durante o dia, o Sol brilha, mas o
vento não deixa a temperatura subir muito. Andávamos vestidos da
cabeça aos pés.
Nesse ambiente, fomos trabalhando e avançando em direção à
montanha. Esse tempo, 3 a 4 dias,
serve também para a aclimação,
ou seja, para que o corpo se acostume a essa nova condição.
Nossa alimentação se resumia a
café da manhã e jantar. Durante o
dia, simplesmente não sentíamos
fome. Pela manhã, mingau de leite
em pó com Neston e chá. No jantar, sopa instantânea e um pacote
de macarrão ou arroz desidratado.
Cada um de nós Bebia três litros
de água com Gatorade em pó por
dia. Com essa dieta, emagrecemos
sete quilos durante a viagem.
A conquista centenária
No dia 20 de abril de 1897, o suíço Mattia Zurbriggen tornou-se o
primeiro homem a pisar o cume
do monte Tupungato, a 6.580 metros acima do nível do mar.
Dois meses antes, ele também
havia feito a primeira ascensão do
Aconcágua, de 6.890 metros, a
mais alta montanha da América.
Zurbriggen fazia parte da expedição do explorador e naturalista
inglês Scott Fitzgerald.
Cem anos depois, o monte
Aconcágua tornou-se uma das
montanhas mais escaladas e visitadas do planeta. Por sua vez, o Tupungato foi quase esquecido.
Qual o motivo? Talvez a resposta
esteja no seu próprio nome. Tupungato significa selvagem no
idioma dos índios aimará.
Esse também era o nome de um
cacique da tribo temido pelo seu
caráter e atitudes.
Impressionados com as tempestades e com os ventos fortes que
castigam a região e vendo nisso semelhanças com o comportamento
do cacique, os aimarás batizaram
o monte de Tupungato.
Hospedagem - Hotel Itália (Belgrano,
574, tel. local 0622/88-176) é uma opção
barata e confortável. O apartamento simples custa 18 pesos (1 peso vale US$ 1), e
o duplo, 30 pesos, com café. O hotel Turismo Tupungato (Belgrano, 1.060, tel. local 0622/88-610 e fax 0622/88-007) é
maior e mais caro. Custa 50 pesos por
pessoa, com pensão completa. A cidade
tem também um camping (El Peral, a 4
km do centro) e albergue municipal (Los
Cerrillos, a 20 km do centro). Informações
na Secretaria do Turismo, tel. local (0622)
88-097 e 88-289 e fax (0622) 88-595.
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