São Paulo, Segunda-feira, 07 de Junho de 1999
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QUALQUER VIAGEM

No inferno, o diabo liga para você do celular

DAVID DREW ZINGG
em Sampa

"Ela foi se consultar com um psicólogo que encontrou uma maneira ótima de convencê-la a falar: pôs um celular em suas mãos." Milton Berle

Num processo gradativo, mas certeiro, o celular ainda vai deixar todo o mundo louco. Essa engenhoca preta e horrorosa está virando parte integral de nossos corpos, como uma terceira orelha.
Telefones celulares em locais públicos estão virando tão bem-vindos quanto saúvas num piquenique.
A extraordinária utilidade do celular é inegável, especialmente num país como a Bananalândia, que subsistiu por tanto tempo à base da dieta de fome telefônica imposta por um governo grosseiramente inepto.
Mas, como dizem no bom iídiche nova-iorquino, já chega!
Numa cidade como Sampa, as boas maneiras são consideradas irrelevantes ao que é mais importante na vida: enriquecer ou ganhar notoriedade nas colunas sociais.
Se sua mãe não lhe ensinou a pedir desculpas quando você espirra em público, ela certamente não lhe acostumou à idéia de desligar seu celular quando você vai ao cinema.

Etiqueta forçada
Silenciar o telefone celular no cinema (e em outros locais públicos) é uma boa idéia, mesmo que seja apenas para economizar em contas médicas.
Algumas semanas atrás, um amigo meu em Nova York estava no cinema, quando um sujeito na fileira da frente recebeu uma ligação no celular no momento em que os trailers estavam passando na tela.
Meu amigo explicou ao sujeito que ele gosta de ver e também OUVIR os trailers, que, comparados ao trabalho de ator de Keanu Reeves, por exemplo, poderiam até fazer jus a um Oscar.
O infrator telefônico explicou que, para ele, os trailers "não fazem parte do filme".
Naquele momento um homem muito grande e muito irritado, sentado duas fileiras à frente, avisou o Homem-Celular de que seria aconselhável ele ter o número do serviço de ambulâncias para emergências gravado em seu aparelho.
Fim da discussão -felizmente.

Medidor de grosseria
Bem-vindo à última fronteira da etiqueta, onde a grande questão em pauta não é o garfo certo a usar, mas quando é ou não é correto fazer e receber ligações num telefone celular.
Hoje em dia as pessoas equipadas com celular são obrigadas a fazer uma série complexa de julgamentos sobre acessibilidade versus privacidade, conveniência versus falta de educação cada vez que deixam sua casa ou mesa de trabalho.
Cada vez mais, essas decisões estão fugindo do âmbito da escolha pessoal.
O problema é de dimensões enormes e está crescendo ainda mais. Já existem mais de 60 milhões de usuários de celular na Gringolândia, e o Brasil está habilitando novas pragas, úteis, porém pestilentas, mais rapidamente do que coelhos se reproduzem.
Fora do Brasil, é comum ver cinemas, salas de concertos e locais de entretenimento pedindo a seus frequentadores que desliguem os celulares antes do início dos espetáculos.
Restaurantes elegantes procuram maneiras de limitar ou encurtar as conversas telefônicas à mesa, sem fugir dos limites impostos pela cortesia.

Finalmente, a cura da celulite
Felizmente, existe uma maneira nova e simples de amordaçar os infratores celulares, da mesma maneira que se amordaça um pit bull mau-caráter: à força.
Uma pequena empresa israelense encontrou uma solução tecnológica para o problema: um aparelhinho chamado C-Guard Cellular Firewall, que tem mais ou menos o tamanho de uma caixa de charutos e é fácil de esconder.
Parece que a brilhante engenhoca bloqueia os telefones celulares num raio de mais ou menos cem metros à sua volta, de modo que não podem fazer ou receber ligações.
O esperto aparelho detecta a atividade de qualquer aparelho sem fio dentro desse raio e emite estática na mesma frequência de rádio usada pelo aparelho. Os telefones celulares que se encontram dentro de sua área de atuação passam a seus donos mensagens de "telefone celular fora de sua área de serviço" ou "com o sinal desligado" e não conseguem receber chamadas.
Vários aparelhos foram vendidos a restaurantes nos EUA, e o Japão já aprovou o uso de C-Guards no país, onde o uso de celulares é amplamente difundido.
Danny Meyer, um dos mais inteligentes proprietários de restaurantes de Nova York, é dono do Union Square Cafe e da Gramercy Tavern.
Para ele, "o celular é o cigarro dos anos 90" devido ao modo como seus usuários deixam irritados os não-usuários.
Meyer adora a idéia de jantares livres de celulares.
"Se eu tivesse sabido da existência do C-Guard Firewall, teria instalado um deles quando abri a Gramercy Tavern", disse. O aparelhinho pode ser comprado na Internet por apenas US$ 1.000.
Parece um preço módico a pagar pela possibilidade de jantar de maneira civilizada e, de quebra, poupar nossos ouvidos.
Pesquisadores médicos britânicos avisaram recentemente que o uso excessivo do celular pode provocar o surgimento de câncer no ouvido, ou, melhor ainda, de tumores cerebrais.
Portanto, madame, fique à vontade. Tire seu celular novo e chique da bolsa e deixe a fofoca rolar solta.


Tradução de Clara Allain.



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