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TRAVESSIA HOLANDESA
Empresas levam grupos para caminhar na maré baixa em tours iniciados na Província de Groningen
Cruzar mar de lama é esporte na Holanda
LUCIANO GRÜDTNER BURATTO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Para quem acha que o Brasil
atravessa um mar de lama, a Holanda já passa por isso há 40 anos.
O seu mar de lama se chama
Wad, fica ao norte do país e pode
ser cruzado na maré baixa.
Todo ano, mais de 20 mil pessoas literalmente caminham sobre as águas do mar de Wad, do
continente até as ilhas que o separam do mar do Norte. Outubro é
o fim da alta temporada de caminhada na lama, mais forte no verão, porém há uma agência que
oferece o passeio o ano todo, pois
alguns esportistas apreciam a paisagem invernal (veja quadro).
A profundidade das águas de
menos de 3 m é responsável por
um ecossistema diferenciado.
Pássaros aproveitam o ciclo das
marés -12 horas entre alta e baixa- para capturar mais peixes e
navegadores constroem barcos
largos e de baixo calado para
transportar seus produtos.
Desde a década de 60, caminhar
sobre o Wad é uma atividade organizada. Embora o mesmo tipo
de relevo ocupe parte do litoral
alemão e dinamarquês, só na Holanda o esporte é praticado.
Empresas levam grupos de dez
a 120 pessoas para as diferentes
ilhas da região, como a Schiermonnikoog (pronuncia-se "srrir-monikó"), com cerca de 900 habitantes e um parque nacional. Fica
a 17 km ou cinco horas de caminhada do continente. A caminhada começa a 3 km do litoral, próximo ao vilarejo de Westernieland, na Província de Groningen.
O mar é separado do norte da
Holanda por três diques. Trata-se
de colinas artificiais de dez a 14
metros de altura construídas em
grande parte com argila e sustentadas por asfalto e grama.
Correm em paralelo por todo o
litoral, assegurando a terra conquistada sobre o mar. Mais de
um quinto do território holandês
foi obtido assim. O dique mais recente na região tem 30 anos. As
ovelhas dos diques ajudam a
prensar a argila com suas patas e
a aparar a grama, que contribui
para manter coesa a estrutura.
O primeiro tipo de lama, no trajeto, é escorregadio na superfície
e cremoso, como alguns queijos.
Isso torna a caminhada cansativa, pois a lama suga os pés e leva
os tênis menos firmes. Após longos 30 minutos, ou somente 2
km, começam as desistências.
O grupo, de 70 pessoas, inclui
pré-adolescentes e idosos, que
podem voltar acompanhados de
um guia, como Annette Toren,
33, que tem outra profissão, mas
usa a atividade para relaxar e se
manter em contato com a natureza. Após o trecho inicial, o solo se
torna arenoso e duro, permitindo
acelerar o passo.
A excursão começa três horas
antes de o mar chegar ao nível
mais baixo. Com isso, parte do
trajeto é percorrido sobre águas
rasas (20 cm de profundidade),
como numa caminhada à beira
da praia. A diferença é que não há
terra à vista num horizonte de
360 graus. Nesses trechos, é possível observar algas, caranguejos
e pequenos vermes marinhos.
Distantes, pássaros sobrevoam a
região. Biólogos estudam o ecossistema em casas construídas sobre palafitas, vistas à distância.
Nem todo o mar seca na maré
baixa: 20% da área é poupada. A
região serve de criadouro para algumas espécies de peixes do mar
do Norte, que procuram as águas
mais quentes do mar de Wad.
O percurso também inclui cinco "rios" -correntes submarinas que formam canais no fundo
do mar. O último rio, a cerca de
800 metros da ilha, é o mais profundo: chega a 1 m.
Os guias contam com rádios
para se comunicar com os grupos
e celular para falar com bases em
terra. As agências que organizam
a atividade sempre recebem informações sobre clima e marés
do serviço meteorológico holandês. Toda essa tecnologia difere
do tempo em que levavam pombas na caminhada e as liberavam
após atravessarem trechos mais
difíceis para informar às bases.
Na chegada, o grupo é recepcionado pelos diques. O sul da
ilha é protegido pela estrutura, e
o norte, por dunas. Ao longe é
possível ver o barco que comunica a ilha com o continente e que
leva os caminhantes de volta.
Schiermonnikoog, como outros destinos de caminhadas,
pertence à Província da Frísia,
cuja população é orgulhosa de
suas tradições e cultura. O frísio é
falado por 300 mil pessoas.
Após curto descanso e troca de
roupas sem muita privacidade, o
grupo vai de ônibus para o vilarejo de Schiermonnikoog. Lá degusta as tradicionais panquecas
locais no restaurante De Sapkûm
("o prato de sopa", em frísio).
Mas é preciso caminhar um pouco mais para encontrá-las.
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