São Paulo, segunda, 7 de dezembro de 1998

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QUALQUER VIAGEM
Uma ótima maneira de passar uma manhã em Nova York

DAVID DREW ZINGG
em Sampa

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"Àqueles que se negarem a emprestar seus livros... será aplicada uma multa." Regras, Conselho da Comunidade Judaica da Letônia, 1736
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"Um livro é um espelho. Se um imbecil se olhar nele, que não espere ver um apóstolo refletido."
Georg Christoph Lichtenberg
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Tio Dave está de volta à Bananalândia, mas sua cabeça (?) continua pensando em gringolês.
Uma das grandes atrações de Manhattan é sua louca abundância de livrarias.
Minúsculas, especializadas ou megalivrarias, elas levam o leitor ávido à loucura, tantas são as tentações que oferecem.
Tio Dave, que não é bobo nem nada, costuma hospedar-se em um dos grandes hotéis de preço módico que Nova York oferece, o The Pickwick Arms, que fica na rua East 51th, convenientemente perto de meu segundo lar, uma movimentada livraria Barnes and Noble.
Minha rotina diária não poderia ser mais fácil: acordo cedo e, ao sair para tomar meu café da manhã no "coffee shop" North Star Greek, tiro o chapéu para Harry Witlin, o proprietário-gerente 24 horas por dia do Pickwick.
Depois disso, faço uma caminhada rápida pela Third Avenue até a B&N, localizada estrategicamente na esquina das ruas 3rd e 54th.
Uso a palavra "estrategicamente" por uma boa razão. Como uma fortaleza de conhecimento impresso, a gigantesca livraria fica do outro lado da rua, diretamente em frente à Kroll's, uma daquelas papelarias-depósitos de cidade grande que tem tudo já inventado pelo homem que guarda alguma relação com o papel.
Para entender por que Sampa ainda tem um pouquinho de chão a percorrer para poder realmente fazer jus ao rótulo de "cidade grande", basta aplicar um teste simples à papelaria paulista mais próxima de sua casa.
Experimente tentar comprar um vidrinho de borracha líquida, do tamanho apropriado para usar em casa, com um conveniente aplicador preso à tampa do vidrinho.
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Tapa no vendedor O(a) vendedor(a) responderá com um condescendente e preguiçoso "não trabalhamos com esse produto".
Você, por sua vez, mal vai conseguir conter o seu desejo de engajar-se em alguma forma satisfatória de intercâmbio físico com o(a) dito(a) antivendedor(a).
Voltemos à Kroll's, que tem não apenas o vidrinho de borracha líquida e marcadores pretos, mas também prateleiras inteiras repletas de mágicos envelopes forrados de plástico-bolha, daqueles que absorvem choques, para proteger meus livros adquiridos na B&N durante a viagem de volta ao paraíso.
Para concluir, do outro lado da rua, na diagonal (com relação à B&N e à Krolls), encontro minha amiga de confiança, a totalmente confiável agência dos Correios dos EUA.
Aí está a rotina matinal de tio Dave em Manhattan, sempre igual, nunca quebrada.
Sai do Pickwick, toma café no Greek.
Sobe a Third a pé, vasculha a Barnes and Noble.
Compra envelopes, borracha líquida e marcador na Kroll's.
Carrega tesouro e o despacha nos correios.
Repete-a dia após dia até o dinheiro acabar.
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Com que finalidade? Como acontece com a maioria dos viajantes, o dinheiro acaba, e o Velho Comprador de Livros Dave se vê enfiado, a contragosto, num assento na classe econômica de um vôo da Varig, medido e projetado para anões nanicos.
De volta ao paraíso (oh, ironia!), tem início o ato final de bibliorgasmo.
Os correios da Bananalândia devem pouco, em termos de eficiência, a seus colegas da Gringolândia.
Uma avalanche de envelopes amarelos, forrados com plástico-bolha, fechados com borracha líquida e repletos de livros, deságua no meu endereço na vila.
Pilhas de livros e revistas preenchem os espaços vazios embaixo da escrivaninha, atrás da cama, nos parapeitos vazios das janelas. Agora começa a fase da digestão.
Quando eu tiver chegado ao fim da última linha do último parágrafo da última página do derradeiro livro...
Espero ter tempo e dinheiro suficientes para me ver de volta a meu hotel livresco (*), pronto para recomeçar o ciclo todo outra vez.
Até lá, tenho boas leituras pela frente.
Acabo de começar o romance peso-pesado de Tom Wolfe "A Man in Full" (Farrar, Straus & Giroux, US$ 28,95; no site da Internet amazon.com e também no barnesandnoble.com, US$ 17,37), de 740 páginas.
Depois dele, outro peso-pesado me espera: as 712 páginas grandes de "The American Century", de Harold Evans (Knopf, US$ 60; no site da Internet barnesandnoble.com, US$ 30).
Evans é um dos meus heróis jornalísticos. Foi editor do "London Sunday Times" na época em que este ainda era legível e criou e editou a melhor de todas as revistas de turismo, a "Conde Naste Traveler".
Entre muitos outros livros na minha lista de leituras figura uma pequena jóia, "Great Political Wit", de Bob Dole (Doubleday, US$ 16,95; no site da Internet barnesandnoble.com, US$ 11,86).
Dole cita as palavras de um senador caubói gringo: "Lá de onde eu venho temos tão pouca água que as árvores correm atrás dos cachorros".
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(*) O proprietário-gerente do Pickwick, Harry Witlin, me fez notar que o hotel já hospedou John O'Hara, o grande autor que escreveu sobre Nova York. Outro escrevinhador de peso, John Updike, achou que o hotel seria um bom lugar para escrever seus contos da revista "The New Yorker".
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Tradução de
Clara Allain



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