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Pintor retrata sonho e pesadelo americano
do enviado especial
Ninguém retratou melhor o sonho americano -e seus pesadelos- do que Norman Rockwell
(1894-1978). Ao longo de uma carreira de seis décadas, Rockwell,
que viveu a maior parte da vida no
oeste de Massachusetts, nunca foi
considerado um artista de ponta
pela crítica norte-americana.
E, aliás, nem por ele mesmo. Ele
preferia se definir como ilustrador, ainda que tenha produzido
muitas telas. Mas, se não tinha o
gênio criativo de Andy Warhol
(1930-1987) ou a sofisticação de
Edward Hopper (1882-1967), para
citar dois medalhões das artes
plásticas americanas deste século,
Rockwell era, sim, muito bom,
dono de um fino senso de humor e
de uma capacidade de observação
da vida do americano médio.
Foi também popularíssimo no
seu tempo. Estreou em 1916 como
capista da "Saturday Evening
Post". Fez a maioria das capas da
revista (exatamente 321) até os
anos 60. Atuou também na publicidade -seu traço é facilmente
identificável com a propaganda
dos anos 40 e 50, estilo que chegou
também ao Brasil e pode ser conferido nos arquivos de publicações
como a revista "Cruzeiro".
O que liga tanto Rockwell aos
americanos médios é a capacidade
de reproduzir na tela (ou na página) o cotidiano das pessoas.
Nascido em Nova York, decidiu
viver no interior (primeiro no Estado de Nova York, depois em
Vermont, finalmente em Stockbridge, Massachusetts, a cidadezinha onde morreu e que hoje abriga o museu com o que de mais importante ele fez).
O contato com cidades menores
identificou mais Rockwell com o
modo de vida americano.
Vizinhos seus foram retratados
em uma série sobre as "Quatro Liberdades", um conceito que Franklin Delano Roosevelt inventou
em um discurso, nos anos 40, como forma de propaganda sobre as
instituições americanas (corria a
Segunda Guerra Mundial, e todos
já anteviam a Guerra Fria).
Nos anos 50, ele retratou a rua
principal de Stockbridge para uma
ilustração que acabou não sendo
publicada. Anos depois, inseriu
uns carros mais modernos e emplacou a tela como ilustração de
revista. Ela é até hoje o cartão-postal do qual os moradores de Stockbridge mais se orgulham.
Novos temas
Nos anos 60, na época em que
trocou a "Saturday Evening Post"
pela "Look", Rockwell começou a
pôr o dedo em algumas feridas. Ou
melhor, algumas feridas dos EUA
começaram a se abrir, e Rockwell
estava disposto a mostrá-las.
Ele, que já havia retratado a pujança americana, o sonho de liberdade, a chegada da TV e do telefone, o soldado que ajuda a mãe a
descascar batatas durante a folga
de Ação de Graças, agora escolhia
temas como o choque entre os
hippies e a geração que os sucederam e a menina negra que precisa
ser escoltada por autoridades para
poder frequentar a escola (numa
tela chamada "O Problema com o
Qual Convivemos", de 1964).
O artista foi à URSS e também
retratou cenas cotidianas de lá. No
Egito, pintou uma capa para a
"Look" com o líder nacionalista
Gamal Abdel Nasser. Na Iugoslávia, retratou o marechal Josip Tito, um comunista não-alinhado
com os soviéticos.
Norman Rockwell mostrou os
EUA e o mundo aos americanos.
Quando precisava fazer uma capa
sobre crianças, ia à escola de
Stockbridge e ficava lá procurando o rosto que melhor lhe servisse
("Hoje ele seria preso por assédio
sexual", lembra uma funcionária
do museu que, na infância, via
Rockwell passear pela cidade).
Em 1973, chegando aos 80 anos,
Norman Rockwell decidiu preservar sua obra. Inicialmente funcionando em uma casa no centro de
Stockbridge, a instituição foi
transferida em 1993 para sua nova
sede, um parque a dez minutos de
carro da cidade que custou US$
4,4 milhões.
O número de visitantes passa de
300 mil por ano. São 504 pinturas,
gravuras, ilustrações a lápis e esboços. É uma pequena fortuna, levando-se em conta que hoje um
original de Rockwell costuma ser
vendido por entre US$ 150 mil e
US$ 800 mil.
Em uma dessas obras, exposta
ali, Rockwell demonstrou como
retribuía o desprezo da crítica: em
um museu, as figuras dos quadros
se encolhem e se amedrontam ante o olhar pedante do crítico.
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