São Paulo, segunda, 9 de março de 1998

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FORA DOS TRILHOS
Vagões estão abandonados a céu aberto
Privatizado, "trem da morte' vira sucata

RUBENS VALENTE
da Agência Folha, em Corumbá (MS)

O "trem da morte", única ligação férrea para passageiros entre Brasil e Bolívia, virou sucata nos últimos dois anos, e seus 80 vagões estão abandonados a céu aberto ao longo da ferrovia.
O trecho de 1.600 km que liga Bauru (SP) a Corumbá (MS), na fronteira com a Bolívia, foi o primeiro da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) privatizado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, em 5 de março de 1996.
O contrato de concessão de 30 anos dá ao novo dono, a Ferrovia Novoeste, liderada pelo grupo norte-americano Noell, direito de explorar apenas os trens destinados ao transporte de carga.
Na fronteira, o passageiro poderia seguir para Santa Cruz de la Sierra por meio de uma empresa ferroviária boliviana.
O número de acidentes na Bolívia rendeu ao comboio o apelido de "trem da morte", como passou a ser chamado também no trecho brasileiro.
Musa inspiradora
No Mato Grosso do Sul, onde é conhecida como "trem do Pantanal", a linha atravessa paisagens exuberantes da planície pantaneira, considerada a maior área alagável do mundo.
A viagem por baías e rios com jacarés, tuiuiús, araras-azuis e garças atraía turistas brasileiros e estrangeiros e inspirou os compositores Paulo Simões e Geraldo Roca a fazer um dos maiores sucessos interpretados pelo cantor e violeiro Almir Sater, a canção "Trem do Pantanal".
Um mês antes do leilão do trecho, na Bolsa do Rio, a RFFSA fez a última viagem, sem ceder aos apelos do Sindicato dos Ferroviários de Bauru e Mato Grosso do Sul, que denunciava a intenção do governo federal de acabar com o trem de passageiros.
Na época do leilão, políticos de Mato Grosso do Sul, afinados com o governo federal, vendiam a idéia de que, com a privatização, o trem destinado a passageiros seria não apenas mantido, mas também modernizado.
Além de incentivar o turismo no Pantanal, o trem era um importante meio de transporte para milhares de moradores de localidades distantes da região.
Entre os mais prejudicados com a extinção do trem estão funcionários de fazendas e índios terenas de dezenas de aldeias. O sindicato estima que diariamente 15 mil pessoas dependiam do trem.
Cadáver
Dezoito vagões que compunham o antigo "trem do Pantanal" estão abandonados no pátio da estação ferroviária de Aquidauana (MS), a 131 km de Campo Grande.
"Isso agora só serve como sucata", afirma o diretor sindical de Aquidauana Joarez de Oliveira Leite, 62. Sem proteção contra sol e chuva, os vagões estão deteriorados e, para Leite, deverão ser vendidos apenas como ferro-velho.
Os vagões estão sendo usados como esconderijo de objetos roubados e abrigo de sem-teto. Há cerca de dois meses, a polícia apreendeu botijões de gás, bicicletas e até uma antena parabólica que haviam sido roubados de uma casa.
Dois anos antes, o corpo de um homem, assassinado a tiros, fora encontrado no trem abandonado.
Programa de índio
"O fim do trem quebrou o Pantanal", disse Leite.
Ele cita como exemplo o caso de centenas de índios terenas de Aquidauana. Hoje, eles pagam até cinco vezes mais para fazer a viagem, de ônibus, até Campo Grande, onde vendem produtos agrícolas e artesanato na Feira do Índio.
Com a desativação do terminal de passageiros, os índios terenas ocuparam a frente da estação ferroviária de Aquidauana e a transformaram em uma feira.



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