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FORA DOS TRILHOS
Vagões estão abandonados a céu aberto
Privatizado, "trem da morte' vira sucata
RUBENS VALENTE
da Agência Folha, em Corumbá (MS)
O "trem da morte", única ligação férrea para passageiros entre
Brasil e Bolívia, virou sucata nos
últimos dois anos, e seus 80 vagões estão abandonados a céu
aberto ao longo da ferrovia.
O trecho de 1.600 km que liga
Bauru (SP) a Corumbá (MS), na
fronteira com a Bolívia, foi o primeiro da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) privatizado pelo
presidente Fernando Henrique
Cardoso, em 5 de março de 1996.
O contrato de concessão de 30
anos dá ao novo dono, a Ferrovia
Novoeste, liderada pelo grupo
norte-americano Noell, direito de
explorar apenas os trens destinados ao transporte de carga.
Na fronteira, o passageiro poderia seguir para Santa Cruz de la
Sierra por meio de uma empresa
ferroviária boliviana.
O número de acidentes na Bolívia rendeu ao comboio o apelido
de "trem da morte", como passou
a ser chamado também no trecho
brasileiro.
Musa inspiradora
No Mato Grosso do Sul, onde é
conhecida como "trem do Pantanal", a linha atravessa paisagens
exuberantes da planície pantaneira, considerada a maior área alagável do mundo.
A viagem por baías e rios com
jacarés, tuiuiús, araras-azuis e garças atraía turistas brasileiros e estrangeiros e inspirou os compositores Paulo Simões e Geraldo Roca
a fazer um dos maiores sucessos
interpretados pelo cantor e violeiro Almir Sater, a canção "Trem do
Pantanal".
Um mês antes do leilão do trecho, na Bolsa do Rio, a RFFSA fez
a última viagem, sem ceder aos
apelos do Sindicato dos Ferroviários de Bauru e Mato Grosso do
Sul, que denunciava a intenção do
governo federal de acabar com o
trem de passageiros.
Na época do leilão, políticos de
Mato Grosso do Sul, afinados com
o governo federal, vendiam a idéia
de que, com a privatização, o trem
destinado a passageiros seria não
apenas mantido, mas também
modernizado.
Além de incentivar o turismo no
Pantanal, o trem era um importante meio de transporte para milhares de moradores de localidades distantes da região.
Entre os mais prejudicados com
a extinção do trem estão funcionários de fazendas e índios terenas
de dezenas de aldeias. O sindicato
estima que diariamente 15 mil pessoas dependiam do trem.
Cadáver
Dezoito vagões que compunham
o antigo "trem do Pantanal" estão
abandonados no pátio da estação
ferroviária de Aquidauana (MS), a
131 km de Campo Grande.
"Isso agora só serve como sucata", afirma o diretor sindical de
Aquidauana Joarez de Oliveira
Leite, 62. Sem proteção contra sol
e chuva, os vagões estão deteriorados e, para Leite, deverão ser vendidos apenas como ferro-velho.
Os vagões estão sendo usados
como esconderijo de objetos roubados e abrigo de sem-teto. Há
cerca de dois meses, a polícia
apreendeu botijões de gás, bicicletas e até uma antena parabólica
que haviam sido roubados de uma
casa.
Dois anos antes, o corpo de um
homem, assassinado a tiros, fora
encontrado no trem abandonado.
Programa de índio
"O fim do trem quebrou o Pantanal", disse Leite.
Ele cita como exemplo o caso de
centenas de índios terenas de
Aquidauana. Hoje, eles pagam até
cinco vezes mais para fazer a viagem, de ônibus, até Campo Grande, onde vendem produtos agrícolas e artesanato na Feira do Índio.
Com a desativação do terminal
de passageiros, os índios terenas
ocuparam a frente da estação ferroviária de Aquidauana e a transformaram em uma feira.
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