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AL AIRE LIBRE
Salão é ousado, mas não deixa brasileira com cara de argentina
ISABELLE MOREIRA LIMA
ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES
Recebi a missão no Brasil
-uma semana para capturar a
essência da "peluqueria" argentina e tornar-me, eu mesma, usuária do corte local.
A missão, logo nas primeiras
horas, transformou-se em obsessão. Comecei a observar toda e cada cabeça portenha, fosse feminina, masculina ou infantil, logo no aeroporto.
Consegui identificar muito
cedo as principais características a serem buscadas em minha
aventura capilar: pelo menos
para as mulheres, a idéia é revisitar os anos 80, com toques sofisticados, quase futuristas. O
que isso significa? Muitas camadas e pontas em "V". Quer
mais anos 80 que isso? A sofisticação fica por conta do franjão desfiado, também geométrico, desta vez na diagonal.
Descobri que alguns levavam
a tendência oitentista ainda
mais a sério. Era o caso de uma
funcionária da agência de táxi
do aeroporto, que não tinha nenhuma cerimônia em exibir a
franja espetada, à la Chitãozinho e Xororó.
Para os homens, tudo pode
acontecer. Havia os já consagrados "mullets" e longos repicados, mas também os curtos
irregulares com umas mechas
muito compridas, como se o cabeleireiro tivesse se esquecido
de cortar tudo por igual.
É notável também um "gap"
geracional. Os homens com
mais de 50 anos se mostraram
conservadores. Já as senhoras
portenhas parecem não ser
adeptas do corte "new wave",
mas sim de muito volume e de
tons fortes. No caso das crianças, o volume também é muito
importante e acaba por ser um
agente transformador do tamanho das cabeças.
Pelo meu planejamento, o
ideal seria cortar o cabelo no
meio da viagem -no quarto
dia- e sentir que diferença teria o novo visual. Seria eu, tão
obviamente brasileira, confundida com uma nativa? Suportaria eu ter um cabelo tão característico de outra nação?
Escolhi um salão da rede
Llongueras, uma rede espanhola, localizado na elegante
avenida Callao. Cheguei às 13h.
Mas era preciso marcar hora.
Fiquei de voltar em duas horas.
Respirei fundo, criei coragem e resolvi me entregar às
mãos dos profissionais do salão. Sim, no plural, porque foram vários. Primeiro a recepcionista, que anotou tudo o que
eu queria fazer -lavar, cortar,
secar. Logo depois, fui atendida
por uma segunda funcionária,
que me levou até um vestiário e
me deu um quimono.
Dali, conheci Mariela, a cabeleireira, que fez questão de entender as minhas aspirações.
"Quero que você me deixe bonita", eu lhe disse. "Faça o que
for necessário."
Mariela concordou e me levou até um rapaz de cabelo
-digo sem cerimônia- bizarro, cheio de fiapos e cores diferentes, que lavou os meus, enxugou-os e me levou até a cadeira de corte. Por fim, perguntou se eu queria um "massagito". Eu aceitei, prontamente.
O próximo passo foi ver o catálogo Llongueras, com cortes
louquíssimos, irregulares.
Diante do meu espanto, Mariela explicou: "Esses, geralmente,
nós usamos apenas para mostrar as tendências". Ela mesma
tinha cabelos castanhos em fio
reto. Depois me explicou que
não eram seus, mas apliques.
Então Mariela começou a
cortar e, quase como se fosse
uma taxista local, jamais se calou. Me ofereceu chá ou café.
Aceitei o chá e recebi uma bandejona de "medias lunas" (espécie de croissant) e churros.
Pouco tempo depois, Mariela
terminou a parte do corte e começou a escovar para me mostrar o resultado. A verdade é
que não foi doloroso, ela não tocou na franja, que já estava um
pouco curta. Sacou um espelho
e me mostrou o resultado. Com
tantos cachos feito na escova,
não consegui opinar direito.
Me senti em uma propaganda
de xampu, mas não soube dizer
se era apenas efeito da escova.
Ao fim de seu trabalho, Mariela se despediu e me levou à
primeira moça, a do quimono,
que perguntou se gostaria de
retocar a maquiagem (importante que o leitor saiba que eu
estava de rosto lavado). Aceitei.
O resultado? Quando saí e me
olhei no espelho da primeira vitrine, me deparei com Zulema
Menem -eu mesma! E eram
apenas 16h.
O cabelo, confesso, me deixou frustrada. Depois da primeira lavagem, continuei com
meu visual brasileiro.
No aeroporto, na hora de ir
embora, entendi tudo. Havia
um totem publicitário de um
órgão de cultura que trazia
duas imagens. A primeira, de
uma cadeira contemporânea
com a inscrição "esta você pode
levar". A segunda, de uma cadeira argentina do século 19
com os dizeres "esta você não
pode levar". "Preserve o patrimônio cultural argentino."
Eu não pude levar o corte
portenho para casa.
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