São Paulo, quinta-feira, 12 de julho de 2007

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AL AIRE LIBRE

Salão é ousado, mas não deixa brasileira com cara de argentina

ISABELLE MOREIRA LIMA
ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES

Recebi a missão no Brasil -uma semana para capturar a essência da "peluqueria" argentina e tornar-me, eu mesma, usuária do corte local.
A missão, logo nas primeiras horas, transformou-se em obsessão. Comecei a observar toda e cada cabeça portenha, fosse feminina, masculina ou infantil, logo no aeroporto.
Consegui identificar muito cedo as principais características a serem buscadas em minha aventura capilar: pelo menos para as mulheres, a idéia é revisitar os anos 80, com toques sofisticados, quase futuristas. O que isso significa? Muitas camadas e pontas em "V". Quer mais anos 80 que isso? A sofisticação fica por conta do franjão desfiado, também geométrico, desta vez na diagonal.
Descobri que alguns levavam a tendência oitentista ainda mais a sério. Era o caso de uma funcionária da agência de táxi do aeroporto, que não tinha nenhuma cerimônia em exibir a franja espetada, à la Chitãozinho e Xororó.
Para os homens, tudo pode acontecer. Havia os já consagrados "mullets" e longos repicados, mas também os curtos irregulares com umas mechas muito compridas, como se o cabeleireiro tivesse se esquecido de cortar tudo por igual.
É notável também um "gap" geracional. Os homens com mais de 50 anos se mostraram conservadores. Já as senhoras portenhas parecem não ser adeptas do corte "new wave", mas sim de muito volume e de tons fortes. No caso das crianças, o volume também é muito importante e acaba por ser um agente transformador do tamanho das cabeças.
Pelo meu planejamento, o ideal seria cortar o cabelo no meio da viagem -no quarto dia- e sentir que diferença teria o novo visual. Seria eu, tão obviamente brasileira, confundida com uma nativa? Suportaria eu ter um cabelo tão característico de outra nação?
Escolhi um salão da rede Llongueras, uma rede espanhola, localizado na elegante avenida Callao. Cheguei às 13h. Mas era preciso marcar hora. Fiquei de voltar em duas horas.
Respirei fundo, criei coragem e resolvi me entregar às mãos dos profissionais do salão. Sim, no plural, porque foram vários. Primeiro a recepcionista, que anotou tudo o que eu queria fazer -lavar, cortar, secar. Logo depois, fui atendida por uma segunda funcionária, que me levou até um vestiário e me deu um quimono.
Dali, conheci Mariela, a cabeleireira, que fez questão de entender as minhas aspirações. "Quero que você me deixe bonita", eu lhe disse. "Faça o que for necessário."
Mariela concordou e me levou até um rapaz de cabelo -digo sem cerimônia- bizarro, cheio de fiapos e cores diferentes, que lavou os meus, enxugou-os e me levou até a cadeira de corte. Por fim, perguntou se eu queria um "massagito". Eu aceitei, prontamente.
O próximo passo foi ver o catálogo Llongueras, com cortes louquíssimos, irregulares. Diante do meu espanto, Mariela explicou: "Esses, geralmente, nós usamos apenas para mostrar as tendências". Ela mesma tinha cabelos castanhos em fio reto. Depois me explicou que não eram seus, mas apliques.
Então Mariela começou a cortar e, quase como se fosse uma taxista local, jamais se calou. Me ofereceu chá ou café. Aceitei o chá e recebi uma bandejona de "medias lunas" (espécie de croissant) e churros.
Pouco tempo depois, Mariela terminou a parte do corte e começou a escovar para me mostrar o resultado. A verdade é que não foi doloroso, ela não tocou na franja, que já estava um pouco curta. Sacou um espelho e me mostrou o resultado. Com tantos cachos feito na escova, não consegui opinar direito. Me senti em uma propaganda de xampu, mas não soube dizer se era apenas efeito da escova.
Ao fim de seu trabalho, Mariela se despediu e me levou à primeira moça, a do quimono, que perguntou se gostaria de retocar a maquiagem (importante que o leitor saiba que eu estava de rosto lavado). Aceitei. O resultado? Quando saí e me olhei no espelho da primeira vitrine, me deparei com Zulema Menem -eu mesma! E eram apenas 16h.
O cabelo, confesso, me deixou frustrada. Depois da primeira lavagem, continuei com meu visual brasileiro.
No aeroporto, na hora de ir embora, entendi tudo. Havia um totem publicitário de um órgão de cultura que trazia duas imagens. A primeira, de uma cadeira contemporânea com a inscrição "esta você pode levar". A segunda, de uma cadeira argentina do século 19 com os dizeres "esta você não pode levar". "Preserve o patrimônio cultural argentino."
Eu não pude levar o corte portenho para casa.


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