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SOBRADOS E MUCAMBOS
Visitas fazem apologia da escravidão
Passeio absolve casa-grande e oferece até mesmo a "chance" de bater num escravo amarrado ao tronco
DO ENVIADO ESPECIAL À ZONA DA MATA
No ônibus, a guia anuncia a
proposta do passeio pelas fazendas açucareiras: "Hoje, vocês vão se sentir como verdadeiros senhores de engenho,
verdadeiras sinhazinhas".
Consideradas as principais
atrações da região, as fazendas
de açúcar do período colonial
se destacam pelos conjuntos
arquitetônicos relativamente
bem conservados, mas oferecem uma visão condescendente da casa-grande. As visitas pecam ainda pela recepção pouco
criativa -ou criativa demais,
como o caso do engenho que
"convida" o turista a bater num
escravo amarrado ao tronco.
Um passeio obrigatório é o
engenho Poço Comprido, do
século 18, em Vicência (81 km
de Recife). Recém-restaurado,
foi considerado patrimônio
histórico em 1962 e é administrado por uma associação de
moradores. O conjunto arquitetônico inclui uma capela e a
moita, o local onde o açúcar era
produzido. Apesar das construções conservadas, não dispõe
da cultura material da época
-as imagens da capela, por
exemplo, foram retiradas por
falta de segurança. A promessa
é que sejam colocadas réplicas.
A senzala foi demolida, servindo de desculpa para qualquer tentativa mais séria de
mostrar como viviam os cativos
ali. De vestígio, aponta a guia,
só o baobá, a árvore africana de
tronco grosso. Com o escravo
negligenciado, a visita enfatiza
a opulência da casa senhorial e
a fabricação do açúcar.
Em outra importante fazenda da região, o engenho Uruaé,
em Goiana (65 km de Recife), o
maior problema está na forma
burlesca como a escravidão é
retratada. O grupo é recepcionado por um casal de funcionários negros vestidos de escravos, inclusive descalços.
A visita ao engenho iniciado
no século 17 é conduzida por
um deles. Ao contrário do Poço
Comprido, aqui há móveis e outros objetos do período colonial, e a senzala continua de pé.
Vestido como "escravo da casa", o jovem guia mostra o
"quarto da sinhazinha" e explica a genealogia da família proprietária do engenho através
dos retratos na parede. Na senzala, que chegou a ter 300 escravos de uma vez, ele coloca
uma peça de ferro no pescoço e
anuncia, sorridente: "Quem era
moreno como eu era aqui".
O mais constrangedor vem
depois, do lado de fora: o guia se
amarra no tronco e pede que
um voluntário simule açoitá-lo.
Foi difícil arranjar alguém disposto a interpretar o papel.
Eleonor Correia da Cunha
Rabello, da sétima geração da
família fundadora do engenho,
se explica: "A gente tem mais é
que se orgulhar dos nossos que
vieram antes", afirmou aos visitantes, dentro da capela. "Nós
ainda não fizemos nada."
De forma explícita ou não, as
visitas aos engenhos transformam esses verdadeiros campos
de concentração numa bufonaria, diluindo um dos piores crimes da humanidade, principal
responsável pela imenso fosso
social brasileiro, em um exemplo acabado do "racismo cordial" . A escravidão é exaltada, a
casa-grande, absolvida, e a cana-de-açúcar, revalorizada como "energia renovável", se torna bênção econômica do passado e do presente.
(FM)
ENGENHO URUAÉ
Acesso pela BR-101, às margens da
PE-75; Goiana-PE. Visitas sob
agendamento
Tel.: 0/xx/81/3227-0579
ENGENHO POÇO COMPRIDO
Acesso pela BR-408, às margens da
PE-74. De ter. a dom., das 8h30 às
17h; ingresso custa R$ 5 e R$ 4
Tel.: 0/xx/81/3641-1635
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