São Paulo, segunda-feira, 15 de maio de 2000


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FERNANDO GABEIRA O sumiço de Livingstone na selva multicultural

Na minha última visita, vi a eleição de Tony Blair. Agora vejo seu fracasso em Londres, onde Ken Livingstone triunfou como candidato independente. Livingstone é o nome de um missionário que sumiu na selva. O Livingstone que ganhou em Londres é o candidato que melhor entendeu a complexa situação multicultural da cidade e ganhou a simpatia de negros, asiáticos, árabes e latinos.
Na verdade, Londres, considerada a mais bem-sucedida capital multicultural do mundo, não deixa de ter problemas. Livingstone é da velha guarda da esquerda. Porém parece ter dado um banho nos modernos da Terceira Via.
Claro que a primeira eleição de um prefeito de Londres não poderia se resumir a esse problema. Por aqui passa muito dinheiro. Passa mais por Londres que por Nova York e Tóquio juntos. Ainda é, portanto, a capital financeira do planeta. Livingstone sabe disso e quer garantir essa vantagem de uma cidade global.
Mas, se o dinheiro flui bem por aqui, o mesmo não se pode dizer dos carros. O trânsito anda difícil. A média de velocidade no centro é de 15 km/h, menos do que uma bicicleta pode fazer num espaço livre. Os londrinos devem ter mais ou menos 10 milhões de automóveis e sempre compram mais.
Uma das saídas será proibir o trânsito no centro, proposta dos verdes, que ganharam três cadeiras na Câmara Municipal e vão tocar o setor de meio ambiente da cidade. Fala-se num pedágio de cinco libras para se entrar no centro. Isso vai espantar muita gente. A libra é uma moeda forte, pavor do turista brasileiro. Corre até uma piada sobre isso. Dizem nossos turistas que o preço de tudo é igual: um jantar custa US$ 50 em Nova York, R$ 50 no Brasil e 50 libras na Inglaterra. Só que na hora do vamos ver, é preciso multiplicar os reais por quatro.
Nesse primeiro contato com Londres, notei várias tendências, algumas muito óbvias. O telefone celular triunfou. Certos ângulos da Oxford Street me lembram uma boate na Suécia onde todos falavam sozinhos. A grande novidade nas vitrines é o telefone que dá acesso à Internet. Daqui a pouco todos navegarão alheios ao que se passa em torno.
Uma tendência mais sutil é a que consagra o orgânico. Fui comprar um sanduíche numa mercearia de indianos e havia inúmeras alternativas. Entre elas, num pequeno cartaz, estava a frase: "Sem pânico, temos orgânicos". Nas grandes lojas, destaca-se a roupa com algodão orgânico. Isso sem falar na velha "Body Shop" e alguns bares que agora se anunciam como bares orgânicos.
Nessa primavera que começa com dias maravilhosos, a tatuagem de henna também abre passagem. Em vários pontos da cidade, há uma banquinha com alguém fazendo tatuagem por cinco libras. As pessoas param, tiram a camisa e mandam ver.
O sexo está ficando mais explícito por aqui. Na semana passada houve a entrega do "Oscar" para artistas que trabalham com sexo. A "Time Out" publicou uma foto provocativa: mulheres nuas de costas, com um prato de feijoada branca derramada no seu corpo.
O que mais me impressionou nesse campo foram as cabines telefônicas na rua. Há dezenas de anúncios com fotos de mulheres nuas oferecendo tudo: sadomasoquismo, sexo oral, humilhação, dominação. Há uns puritanos que rasgam tudo e jogam os restos dos cartazes no chão. No dia seguinte, as cabines amanhecem com novos cartazes, sempre com telefones e a garantia de que as operárias sexuais vão até onde você está.
Mesmo no cinema, a grande sensação parece ser a estréia do filme "Nora", baseado numa biografia da mulher de James Joyce. A família do escritor protestou. O filme, que conta o romance dos dois na primeira década do século, vai tornar o "Último Tango em Paris" coisa para crianças.
Henry James, creio eu, disse que Londres era a cidade onde havia mais possibilidades de vida. De fato, tudo aqui parece em movimento. Lugares que pareciam abandonados, de repente, dão lugar a galerias de arte. Toda uma nova área da cidade, estimulada pela Tate Gallery, o chamado Bankside, já está sendo desbravada, e surgem restaurantes, bares, enfim um novo ponto para atrair capital e turistas. A cultura define os contornos da nova cidade, coisa que no Brasil ainda não chega a acontecer.
Lugares tradicionais, como a região de Charing Cross, onde ficam as livrarias, começam a sentir o peso dos tempos. Nas vitrines, já há campanha para sobreviver ao brutal aumento dos aluguéis. A região foi tema de um filme e é um dos primeiros lugares que os amantes de livros gostam de visitar em Londres. Até quando vai resistir aos cyberbars e outras novidades mais lucrativas?
A cidade foi tão estimulante que não cabe num só artigo. Na próxima semana, voltarei a ela, com algumas imagens que falam talvez melhor que o texto. E com a cobertura da grande manifestação pela legalização da cannabis.


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