|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FERNANDO GABEIRA
O sumiço de Livingstone na selva multicultural
Na minha última visita,
vi a eleição de Tony Blair.
Agora vejo seu fracasso em Londres, onde Ken Livingstone triunfou como candidato independente. Livingstone é o nome de um
missionário que sumiu na selva.
O Livingstone que ganhou em
Londres é o candidato que melhor entendeu a complexa situação multicultural da cidade e ganhou a simpatia de negros, asiáticos, árabes e latinos.
Na verdade, Londres, considerada a mais bem-sucedida capital
multicultural do mundo, não deixa de ter problemas. Livingstone é
da velha guarda da esquerda. Porém parece ter dado um banho
nos modernos da Terceira Via.
Claro que a primeira eleição de
um prefeito de Londres não poderia se resumir a esse problema.
Por aqui passa muito dinheiro.
Passa mais por Londres que por
Nova York e Tóquio juntos. Ainda é, portanto, a capital financeira do planeta. Livingstone sabe
disso e quer garantir essa vantagem de uma cidade global.
Mas, se o dinheiro flui bem por
aqui, o mesmo não se pode dizer
dos carros. O trânsito anda difícil.
A média de velocidade no centro
é de 15 km/h, menos do que uma
bicicleta pode fazer num espaço
livre. Os londrinos devem ter mais
ou menos 10 milhões de automóveis e sempre compram mais.
Uma das saídas será proibir o
trânsito no centro, proposta dos
verdes, que ganharam três cadeiras na Câmara Municipal e vão
tocar o setor de meio ambiente da
cidade. Fala-se num pedágio de
cinco libras para se entrar no centro. Isso vai espantar muita gente.
A libra é uma moeda forte, pavor
do turista brasileiro. Corre até
uma piada sobre isso. Dizem nossos turistas que o preço de tudo é
igual: um jantar custa US$ 50 em
Nova York, R$ 50 no Brasil e 50 libras na Inglaterra. Só que na hora do vamos ver, é preciso multiplicar os reais por quatro.
Nesse primeiro contato com
Londres, notei várias tendências,
algumas muito óbvias. O telefone
celular triunfou. Certos ângulos
da Oxford Street me lembram
uma boate na Suécia onde todos
falavam sozinhos. A grande novidade nas vitrines é o telefone que
dá acesso à Internet. Daqui a
pouco todos navegarão alheios ao
que se passa em torno.
Uma tendência mais sutil é a
que consagra o orgânico. Fui
comprar um sanduíche numa
mercearia de indianos e havia
inúmeras alternativas. Entre elas,
num pequeno cartaz, estava a
frase: "Sem pânico, temos orgânicos". Nas grandes lojas, destaca-se
a roupa com algodão orgânico.
Isso sem falar na velha "Body
Shop" e alguns bares que agora se
anunciam como bares orgânicos.
Nessa primavera que começa
com dias maravilhosos, a tatuagem de henna também abre passagem. Em vários pontos da cidade, há uma banquinha com alguém fazendo tatuagem por cinco libras. As pessoas param, tiram
a camisa e mandam ver.
O sexo está ficando mais explícito por aqui. Na semana passada
houve a entrega do "Oscar" para
artistas que trabalham com sexo.
A "Time Out" publicou uma foto
provocativa: mulheres nuas de
costas, com um prato de feijoada
branca derramada no seu corpo.
O que mais me impressionou
nesse campo foram as cabines telefônicas na rua. Há dezenas de
anúncios com fotos de mulheres
nuas oferecendo tudo: sadomasoquismo, sexo oral, humilhação,
dominação. Há uns puritanos
que rasgam tudo e jogam os restos
dos cartazes no chão. No dia seguinte, as cabines amanhecem
com novos cartazes, sempre com
telefones e a garantia de que as
operárias sexuais vão até onde
você está.
Mesmo no cinema, a grande
sensação parece ser a estréia do
filme "Nora", baseado numa biografia da mulher de James Joyce.
A família do escritor protestou. O
filme, que conta o romance dos
dois na primeira década do século, vai tornar o "Último Tango em
Paris" coisa para crianças.
Henry James, creio eu, disse que
Londres era a cidade onde havia
mais possibilidades de vida. De
fato, tudo aqui parece em movimento. Lugares que pareciam
abandonados, de repente, dão lugar a galerias de arte. Toda uma
nova área da cidade, estimulada
pela Tate Gallery, o chamado
Bankside, já está sendo desbravada, e surgem restaurantes, bares,
enfim um novo ponto para atrair
capital e turistas. A cultura define
os contornos da nova cidade, coisa que no Brasil ainda não chega
a acontecer.
Lugares tradicionais, como a
região de Charing Cross, onde ficam as livrarias, começam a sentir o peso dos tempos. Nas vitrines, já há campanha para sobreviver ao brutal aumento dos aluguéis. A região foi tema de um filme e é um dos primeiros lugares
que os amantes de livros gostam
de visitar em Londres. Até quando vai resistir aos cyberbars e outras novidades mais lucrativas?
A cidade foi tão estimulante
que não cabe num só artigo. Na
próxima semana, voltarei a ela,
com algumas imagens que falam
talvez melhor que o texto. E com a
cobertura da grande manifestação pela legalização da cannabis.
Texto Anterior: Mercado: Brite recebe 500 operadores estrangeiros Próximo Texto: Verão: Turismo gera US$ 540 bi nos EUA Índice
|