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São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 2003

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FERNANDO GABEIRA

Em busca de uma havaiana em Turim

Exausto com a viagem, achei que meu sapato incomodava e saí pelas ruas de Turim em busca de uma sandália havaiana, símbolo democrático do estilo carioca. A oferta era abundante, mas a um preço médio de 30, mais ou menos R$ 105. Desisti da compra.
Segui pelas ruas, pensando que era muito por uma sandália. Compreendi logo que era muito, se levássemos em conta apenas seu material. As havaianas são um modo de vida, elas incorporam um pouco da descontração tropical. E isso é um produto também. Impressionante como se exportam símbolos, e, às vezes, o pensamento habitual reduz as coisas à sua dimensão material.
A cidade está se preparando para a Olimpíada de 2006. Realizou uma grande feira de eficiência ecológica, usando um prédio que abrigou uma fábrica da Fiat. No terraço, há um campo de provas, usado para testar os carros da fábrica. A imagem de Turim está ligada à Fiat e eles querem, agora, associá-la à eficiência energética, uma das saudáveis obsessões européias.
Na porta da exposição, havia um protótipo de ônibus movido a hidrogênio. E Turim abriu seu espaço para que fizéssemos numa das salas do centro cultural o encontro de parlamentares para discutir as mudanças climáticas. É também uma espécie de conspiração para transformar o Protocolo de Kyoto numa realidade. Se possível, transcendê-lo.
É estranho fechar-se numa sala para discutir um fenômeno tão longo no tempo e invisível como o aquecimento global. Nos intervalos dos debates, em bares e restaurantes, ouvi várias vezes a música brasileira. Sambas, Marisa Monte e os Tribalistas, bossanova. De novo, os símbolos brasileiros abrindo seu espaço. Até eu tinha dificuldades para entender as letras, com o ruído ambiente. Mas éramos envolvidos pela batida, uma presença tropical.
Sinto uma certa preocupação com o crescimento na Itália. Trago no bolso o livro de Luciano Gallino, editado pela Guili Einaudi. O título é "A Desaparição da Itália Industrial". Ele considera que o país perdeu o bonde do futuro, com base na análise de alguns setores da economia: informática, aviação civil e indústria automobilística, entre outros.
Sobre a Fiat gira a análise do automóvel. Gallino acha que todos os países diversificaram empresas, mas a Itália ficou numa só. E, no princípio do século, em Turim, já havia quase uma dezena delas: Itala, Ceriano, Chiribiri. Diatto, Tempereni, nomes que hoje só fazem sentido para historiadores, mas que foram carros elegantes e esportivos.
Talvez pela transformação de velhas fábricas em novos espaços Turim não transmita uma visão decadente. Ela parece ter conseguido ultrapassar a etapa nascente da indústria, buscando qualidade de vida. Isso é uma impressão que tive visitando o parque às margens do rio Pó, uma área imensa onde os casais namoram na grama e os remadores fazem seus exercícios e travam suas competições.
Essa impressão foi reforçada, no domingo, com as ruas do centro fechadas para uma corrida infantil de bicicletas. Sentia-se um nível superior de organização. Isolamento, grupos de médicos de motocicleta, todos os meninos de capacete, era tudo tão previsto que os pais continham seu entusiasmo atrás das linhas.
Com 1 milhão de habitantes, um grande museu egípcio, palácios, um museu do cinema, um museu do automóvel, enfim, ela se preparou não apenas para o turismo mas também para ser uma atração cultural.
Disso sinto falta no livro que escolhi para os momentos de leitura. Uma referência ao turismo, essa em que a Itália é a quarta, numa análise da moda, outra indústria em que os italianos vendem matéria e símbolos de identidade, como Armani, que passou a ser uma espécie da descrição em inglês: aqueles Armanis.
Claro que os setores que Luciano Gallino avalia são os decisivos na economia. Nas revistas semanais, vi algumas matérias nostálgicas sobre o grande cinema italiano. Essa também é uma indústria que nos deu grandes riquezas no passado.
Foi um espaço que se abriu e poderia se ampliar muito. Saio com a sensação de que há problemas, os próprios clubes de futebol, também uma grande atividade econômica, estão com um rombo de quase 2 milhões. Mas a preparação de Turim para a Olimpíada, a feira de ecoeficiência, tudo isso dá a sensação de que as coisas estão se mexendo.
Mas antes de sair, vou passar uma tarde no museu egípcio, que era um dos meus preferidos também em Berlim. Afinal, num lugar em que as havaianas custam 30, as coisas não estão nada más.



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