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FERNANDO GABEIRA
Em busca de uma havaiana em Turim
Exausto com a viagem, achei
que meu sapato incomodava
e saí pelas ruas de Turim em busca de uma sandália havaiana,
símbolo democrático do estilo carioca. A oferta era abundante,
mas a um preço médio de 30,
mais ou menos R$ 105. Desisti da
compra.
Segui pelas ruas, pensando que
era muito por uma sandália.
Compreendi logo que era muito,
se levássemos em conta apenas
seu material. As havaianas são
um modo de vida, elas incorporam um pouco da descontração
tropical. E isso é um produto também. Impressionante como se exportam símbolos, e, às vezes, o
pensamento habitual reduz as
coisas à sua dimensão material.
A cidade está se preparando para a Olimpíada de 2006. Realizou
uma grande feira de eficiência
ecológica, usando um prédio que
abrigou uma fábrica da Fiat. No
terraço, há um campo de provas,
usado para testar os carros da fábrica. A imagem de Turim está ligada à Fiat e eles querem, agora,
associá-la à eficiência energética,
uma das saudáveis obsessões européias.
Na porta da exposição, havia
um protótipo de ônibus movido a
hidrogênio. E Turim abriu seu espaço para que fizéssemos numa
das salas do centro cultural o encontro de parlamentares para
discutir as mudanças climáticas.
É também uma espécie de conspiração para transformar o Protocolo de Kyoto numa realidade. Se
possível, transcendê-lo.
É estranho fechar-se numa sala
para discutir um fenômeno tão
longo no tempo e invisível como o
aquecimento global. Nos intervalos dos debates, em bares e restaurantes, ouvi várias vezes a música
brasileira. Sambas, Marisa Monte e os Tribalistas, bossanova. De
novo, os símbolos brasileiros
abrindo seu espaço. Até eu tinha
dificuldades para entender as letras, com o ruído ambiente. Mas
éramos envolvidos pela batida,
uma presença tropical.
Sinto uma certa preocupação
com o crescimento na Itália. Trago no bolso o livro de Luciano Gallino, editado pela Guili Einaudi.
O título é "A Desaparição da Itália Industrial". Ele considera que
o país perdeu o bonde do futuro,
com base na análise de alguns setores da economia: informática,
aviação civil e indústria automobilística, entre outros.
Sobre a Fiat gira a análise do
automóvel. Gallino acha que todos os países diversificaram empresas, mas a Itália ficou numa
só. E, no princípio do século, em
Turim, já havia quase uma dezena delas: Itala, Ceriano, Chiribiri.
Diatto, Tempereni, nomes que
hoje só fazem sentido para historiadores, mas que foram carros
elegantes e esportivos.
Talvez pela transformação de
velhas fábricas em novos espaços
Turim não transmita uma visão
decadente. Ela parece ter conseguido ultrapassar a etapa nascente da indústria, buscando qualidade de vida. Isso é uma impressão que tive visitando o parque às
margens do rio Pó, uma área
imensa onde os casais namoram
na grama e os remadores fazem
seus exercícios e travam suas
competições.
Essa impressão foi reforçada, no
domingo, com as ruas do centro
fechadas para uma corrida infantil de bicicletas. Sentia-se um nível superior de organização. Isolamento, grupos de médicos de
motocicleta, todos os meninos de
capacete, era tudo tão previsto
que os pais continham seu entusiasmo atrás das linhas.
Com 1 milhão de habitantes,
um grande museu egípcio, palácios, um museu do cinema, um
museu do automóvel, enfim, ela
se preparou não apenas para o
turismo mas também para ser
uma atração cultural.
Disso sinto falta no livro que escolhi para os momentos de leitura. Uma referência ao turismo, essa em que a Itália é a quarta, numa análise da moda, outra indústria em que os italianos vendem matéria e símbolos de identidade, como Armani, que passou a
ser uma espécie da descrição em
inglês: aqueles Armanis.
Claro que os setores que Luciano Gallino avalia são os decisivos
na economia. Nas revistas semanais, vi algumas matérias nostálgicas sobre o grande cinema italiano. Essa também é uma indústria que nos deu grandes riquezas
no passado.
Foi um espaço que se abriu e poderia se ampliar muito. Saio com
a sensação de que há problemas,
os próprios clubes de futebol, também uma grande atividade econômica, estão com um rombo de
quase 2 milhões. Mas a preparação de Turim para a Olimpíada, a feira de ecoeficiência, tudo
isso dá a sensação de que as coisas
estão se mexendo.
Mas antes de sair, vou passar
uma tarde no museu egípcio, que
era um dos meus preferidos também em Berlim. Afinal, num lugar em que as havaianas custam
30, as coisas não estão nada
más.
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