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FERNANDO GABEIRA
De Bangu a Bagdá, um 11 de setembro
"Onde você estava no 11 de
setembro?" Essa pergunta tediosa, que os jornalistas fazem por falta de temas melhores,
merecia ser adaptada ao 11 de setembro de 2002, quarta-feira.
Por incrível que pareça, meu 11
de setembro foi quase tão tenso
quanto o do ano passado.
Comecei o dia com um debate
com o ex-chefe de polícia Álvaro
Lins e o bravo delegado Zachone
na Universidade Rural, em Seropédica, a uns 60 km do Rio de Janeiro. O tema era "Drogas e violência urbana".
Lins é candidato a deputado e
cumpre essa agenda de debates
que nos faz percorrer muitas universidades durante a campanha.
Ele chegou tarde e pediu desculpas. Havia uma rebelião em Bangu 1, e a polícia cercara o presídio.
Mortos, reféns, os detalhes iam
surgindo na medida em que o debate transcorria.
Na platéia, um agente penitenciário lembrou que a diretora de
Bangu 1 foi assassinada no ano
passado e disse que todos que trabalham com direitos humanos
eram culpados por isso.
Comércio e escolas fechados,
motos percorrendo as ruas de nove bairros, comunicando as novas: luto para os mortos. Mães em
pânico prendem os filhos em casa,
os boatos correm as ruas mais rápido que as motos. O Comando
Vermelho liquidou a ADA (Amigos dos Amigos) e lançou o grito
funk: "Está tudo dominado".
Eu vinha pensando também em
Bagdá, numa possível invasão
americana, no aumento do preço
do petróleo, na crise aguda no
Oriente Médio, no FMI apertando o nosso cinto. O ano de 2003
na Rio-São Paulo parecia um caminho estreito e cinzento. A guerra no horizonte, um tipo de guerra na retaguarda.
Os debates sobre segurança no
Rio não são um exercício de retórica, apenas. Os espectadores cobravam saídas, mostravam-se
ansiosos, escandalizados com o
diagnóstico que íamos produzindo, apesar de nossas divergências.
Antes, o jogo do bicho mantinha os policiais com um salário
razoável. Mas agora o jogo decidiu enviar sua contribuição para
as altas cúpulas. Os policiais na
rua ficaram à mercê do tráfico de
drogas para complementar sua
modesta renda. Em síntese: esqueçam essa história da Globo sobre o poder paralelo. Paralelas se
encontram no infinito. Um poder
entrelaçado, usando parte do
aparato do Estado, descreveria
melhor a situação.
Lins acha possível atacar o problema a curto prazo, desmantelando as quadrilhas. Propõe o
modelo italiano da Operação
Mãos Limpas, com endurecimento legal a partir de um acordo
com a própria sociedade. A médio
e longo prazos, acredita no combate à lavagem do dinheiro, como
forma de desenrolar o novelo.
Concordei que era preciso atingir o lado econômico da atividade
e que a legalização poderia ser a
forma decisiva nesse campo. Os
criminosos se voltariam para outras atividades? Possivelmente,
mas sem os lucros de 500% que o
tráfico de drogas lhes propicia.
Em campanha ninguém pára.
Tive de entrar num táxi para Jacarepaguá. Ouvi o motorista falando com a mulher sobre os filhos ficarem em casa e o vi descrever para eles as ruas que estavam
livres, os pontos de congestionamento, as ruas perigosas.
A julgar pela conversa de rua, o
povo quer energia, repressão, sangue. O pavio está ali, esperando só
os demagogos riscarem o fósforo.
Ninguém se pergunta sobre a nova constituição do tráfico no Rio,
se não ficou mais vulnerável com
um comando unificado, se o Comando Vermelho não abriu um
flanco do tipo que é descrito em
luta marcial no Oriente: o agressor se desequilibra e se expõe.
Passei o 11 de setembro com
olhos e ouvidos ligados em Bush,
temendo o início de uma guerra
contra o Iraque. Ele parece ter jogado para adiante nossos temores
planetários. E nos deixou sós com
nossa guerra urbana.
Não esqueço o rosto do agente
penitenciário. No final do debate,
veio falar dos problemas de sua
categoria. Ganham pouco, vivem
presos com os presos e, quando
saem, são discriminados mesmo
pela polícia, que os considera
quase marginais.
Numa semana de debates e soluções mirabolantes para a violência urbana, será que alguém
vai procurar os agentes penitenciários? Por que não fazer um
programa de coisas simples, básicas, para ir chegando aos poucos
ao mais complexo?
Vejo um figurão dizer que o sistema penitenciário brasileiro fracassou. Tudo bem, fracassou. Mas
o sistema é algo autônomo, regido por leis próprias, que a sociedade descarta do jogo como um
participante do "Big Brother", ou
ele é um pouco o retrato de nosso
próprio fracasso?
Bem que Thoreau dizia, depois
de passar por uma prisão, que todo homem de bem deveria visitar
uma cadeia para ver como ela
funciona. Isso faria um bem enorme ao país.
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