São Paulo, segunda-feira, 18 de junho de 2001

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NA MONTANHA

Internado com tuberculose, dramaturgo levou doentes às gargalhadas e consequentes crises de tosse

Sanatorinho foi palco de Nelson Rodrigues

DO ENVIADO ESPECIAL

Com a expulsão dos sanatórios para áreas cada vez mais periféricas a partir dos anos 40, Campos do Jordão iniciava também a remoção de uma memória incômoda, mas que pode esconder verdadeiros tesouros.
O teatro brasileiro, por exemplo, tem um dívida singela para com a antiga Campos do Jordão. Foi lá, afinal, que o dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980) encontrou os ares necessários ao corpo e à imaginação.
Por força da sua renitente tuberculose, Rodrigues teve diversas passagens por sanatórios locais. A primeira, no ano de 1935, foi um marco na obra do dramaturgo, segundo o relato do jornalista Rui Castro no livro "O Anjo Pornográfico" (editora Companhia das Letras).
A pedido de seus companheiros de internação no Sanatorinho Popular, Rodrigues fez uma esquete cômica sobre eles próprios.
O sucesso foi quase um desastre: logo nas primeiras cenas, os doentes foram às gargalhadas, a ponto de sofrer violento acesso de tosse. O espetáculo precisou ser interrompido.

Tragédia e comédia
Além de primeiro texto teatral de Rodrigues -"A Mulher sem Pecado", primeira peça oficial, é de 1941-, o "espetáculo" no Sanatorinho pode ter sido, para o futuro dramaturgo, o esboço de um dos traços mais marcantes da sua futura obra: a mescla de tragédia e comédia.
Essa é a opinião, por exemplo, da crítica Barbara Heliodora, que destaca a doença, de maneira geral, como tema constante na obra rodrigueana. Para Heliodora, Nelson Rodrigues fez dos males físicos ou mentais uma metáfora da "precariedade da existência humana", o que, segundo a crítica, não tirou do dramaturgo a disposição para "rir do terror".
Conclui-se que, antes de ocupar e revolucionar os maiores palcos do teatro brasileiro, a arte de Nelson Rodrigues recebeu, no modesto cenário de um sanatório de Campos do Jordão, uma lição definitiva sobre o quão perto a lágrima passa do riso.
(CAIO CARAMICO SOARES)


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