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NA MONTANHA
Internado com tuberculose, dramaturgo levou doentes às gargalhadas e consequentes crises de tosse
Sanatorinho foi palco de Nelson Rodrigues
DO ENVIADO ESPECIAL
Com a expulsão dos sanatórios para áreas cada vez mais periféricas a partir dos anos 40, Campos do Jordão iniciava também a
remoção de uma memória incômoda, mas que pode esconder
verdadeiros tesouros.
O teatro brasileiro, por exemplo, tem um dívida singela para
com a antiga Campos do Jordão.
Foi lá, afinal, que o dramaturgo
Nelson Rodrigues (1912-1980) encontrou os ares necessários ao
corpo e à imaginação.
Por força da sua renitente tuberculose, Rodrigues teve diversas
passagens por sanatórios locais. A
primeira, no ano de 1935, foi um
marco na obra do dramaturgo,
segundo o relato do jornalista Rui
Castro no livro "O Anjo Pornográfico" (editora Companhia das
Letras).
A pedido de seus companheiros
de internação no Sanatorinho Popular, Rodrigues fez uma esquete
cômica sobre eles próprios.
O sucesso foi quase um desastre: logo nas primeiras cenas, os
doentes foram às gargalhadas, a
ponto de sofrer violento acesso de
tosse. O espetáculo precisou ser
interrompido.
Tragédia e comédia
Além de primeiro texto teatral
de Rodrigues -"A Mulher sem
Pecado", primeira peça oficial, é
de 1941-, o "espetáculo" no Sanatorinho pode ter sido, para o futuro dramaturgo, o esboço de um dos traços mais marcantes da sua futura obra: a mescla de tragédia e comédia.
Essa é a opinião, por exemplo,
da crítica Barbara Heliodora, que
destaca a doença, de maneira geral, como tema constante na obra
rodrigueana. Para Heliodora,
Nelson Rodrigues fez dos males
físicos ou mentais uma metáfora
da "precariedade da existência
humana", o que, segundo a crítica, não tirou do dramaturgo a disposição para "rir do terror".
Conclui-se que, antes de ocupar
e revolucionar os maiores palcos
do teatro brasileiro, a arte de Nelson Rodrigues recebeu, no modesto cenário de um sanatório de
Campos do Jordão, uma lição definitiva sobre o quão perto a lágrima passa do riso.
(CAIO CARAMICO SOARES)
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