Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ferroadas de formigas fazem parte da "iniciação"
DA ENVIADA ESPECIAL À AMAZÔNIA
Quando alguém conta como
é o ritual da tucandeira, feito
pelos índios satarê-mauê, os
turistas ficam boquiabertos.
Não entendem a relevância de
meninos por volta dos 14 anos
passarem 15 minutos com as
mãos em luvas cheias de formigas com o intuito de provar que
estão prontos para entrar na vida adulta.
Mas a careta fica só na cara
dos turistas, mesmo. As vítimas
das cerca de 250 tucandeiras
-número de formigas colocadas dentro de cada mão da luva- não só não reclamam como tentam não esboçar nenhuma expressão de dor enquanto
passam pelo ritual.
Primeiro, porque não podem. Seria sinal de fraqueza.
Segundo, porque não querem.
O canoeiro Marcos da Silva, 32
-ou Utieré, no nome indígena-, de uma comunidade satarê-mauê que vive perto de Manaus e mantém o ritual original, conta que os meninos esperam ansiosos para participar.
"Não dá para ver os outros se
ferrando e ficar sem se ferrar",
conta. Detalhe: segundo ele, a
dor de uma ferroada da tucandeira leva 24 horas para passar.
Em uma saída para pescar,
falou à Folha sobre o costume
da aldeia e sobre a expectativa
para tomar mais ferroadas.
(PRISCILA PASTRE-ROSSI)
FOLHA - Por que os meninos da sua
tribo fazem o ritual da tucandeira?
MARCOS - Quando um índio começa a gostar de uma moça da
aldeia, as famílias começam a
organizar o ritual. Serve para
ele mostrar que é guerreiro,
que será um bom marido. E para ficar imunizado de doenças.
FOLHA - Como é o ritual?
MARCOS - Primeiro a gente sai
para pegar as tucandeiras. Elas
ficam em tocas e a gente bate
devagarinho no tronco até elas
começarem a sair. Com um pó
que a gente joga nelas, elas ficam tontas e desmaiam.
FOLHA - Como elas são colocadas
nas luvas?
MARCOS - Tem de ser com jeito.
A cabeça precisa ficar para fora,
e o bumbum, pra dentro. É ele
que dá as ferradas.
FOLHA - Como é a hora de colocar
as mãos lá dentro?
MARCOS - Tem uma festa e fica
todo mundo dançando. Aí o cacique acorda as formigas com
uma fumaça e você coloca as
mãos lá dentro.
FOLHA - E qual é a sensação?
MARCOS - Primeiro, de dor. Mas
uns cinco minutos depois as
mãos já ficam anestesiadas.
FOLHA - Vocês podem optar por
não participar?
MARCOS - Todo mundo quer
participar. Quando sei que tem
ritual, não consigo ficar sem
participar. O ideal é que a gente
seja ferrado nove vezes, para ficar protegido de doenças.
FOLHA - Há rituais para mulheres?
MARCOS - Sim. Enquanto o menino está se ferrando pela primeira vez, a pretendente está
sendo arranhada com unha de
paca -pela mãe ou pela avó-
até sangrar, no corpo todo.
FOLHA - Para quê?
MARCOS - As mesmas coisas:
mostrar que está pronta para se
casar, e ficar livre de doenças.
Texto Anterior: Cuidados especiais: Na Amazônia, protetor solar e repelente são essenciais Próximo Texto: Amazônia de A a Z: Ida ao teatro é aula sobre a história de Manaus Índice
|