São Paulo, segunda, 20 de janeiro de 1997.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Igreja abandonada alicerça o Antone's, templo do blues

em Austin

Visto de fora, parece um estábulo abandonado. Dentro, há um ar-condicionado polar, mesas bambas, cadeiras desconfortáveis, um palco apertado e forrado com um carpete que não vê uma vassoura há milênios. Essa seria a receita de um clube pré-falimentar, não fosse ele o Antone's.
Só a honestidade na proposta e a certeza de ouvir o melhor blues que uma casa de Austin pode oferecer conseguem justificar o sucesso desse clube fundado por Clifford Antone em 1975.
Quem entra pela primeira vez na casa e vê caixas acústicas provisoriamente arrumadas sobre cadeiras e uma escada para cuidar da iluminação custa a acreditar na mitologia do lugar.
Uma dose de história é necessária para decifrar o enigma que faz o Antone's famoso.
História
Nascido na divisa entre os Estados do Texas e da Louisiana, Clifford Antone aprendeu a gostar de blues desde a infância.
Ainda adolescente, já sabia diferenciar a música que era produzida no delta do rio Mississippi, em Chicago ou no Texas.
Aos 24 anos, dono de uma loja de roupas, ele decidiu abrir o seu clube na 6th Street.
Conseguiu alugar um edifício por apenas US$ 600 mensais, o que facilitou a empreita. Mas Antone precisou da ajuda de amigos para reformar e decorar a casa.
Um desses amigos descobriu uma igreja abandonada. E o templo acabou virando manancial da madeira usada nas obras.
Outro amigo serralheiro deu conta das esquadrias. Um terceiro cuidou do ar-condicionado.
Todos trabalharam sob a promessa de serem pagos assim que Antone tivesse dinheiro.
Chicago
Terminada a obra, Antone começou a levar músicos de Chicago para a casa. Nos dois primeiros anos de funcionamento, o Antone's conseguiu abrigar um mestre do blues quase todas as noites e se tornou aglutinador e Meca do estilo no Texas.
E o clube começou a juntar no palco músicos de Chicago que não se viam havia mais de 20 anos. "Eles começaram a nos ligar para tocar aqui", disse Antone ao jornal texano "ETC".
Após essa primeira fase, teve início a era de memoráveis "jam sessions" no palco da casa.
Os clientes do Antone's já tiveram o prazer de ver juntos Bonnie Raitt, Johnny Winter e Muddy Waters numa noite.
Em outra, B.B. King e Bobby Bland mostraram quantos acordes são necessários para descrever a dor e a alegria. Houve até uma noite em que os guitarristas Albert Collins e Stevie Ray Vaughan dividiram o palco.
Presente
Formada a lenda, o Antone's chega aos dias atuais ainda reunindo grandes nomes do blues em seu palco. Não com a mesma frequência de outrora, mas ainda de maneira honesta.
Quando não tem nenhuma daquelas atrações que os americanos chamam de "big act", o Antone's abre espaço para jovens e promissores texanos. A satisfação dos clientes é quase sempre garantida.
Sem a história, o Antone's estaria condenado. Seu atendimento é demorado e impessoal. Quando a casa lota, o que é comum, o estacionamento não dá para todos.
Mas esses são pormenores superados pelos fãs de blues, que reconhecem no clube a sua Graceland.
Além do clube, a marca Antone's serve para designar uma gravadora e uma loja de discos (localizada na frente do clube).
O resultado disso é um conglomerado em que a gravadora divulga o clube que, por sua vez, abre espaço para os músicos divulgarem os discos à venda na loja. (EF)

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright 1996 Empresa Folha da Manhã