São Paulo, segunda-feira, 21 de maio de 2001

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FERNANDO GABEIRA
Alguma coisa acontecendo antes de escurecer

Passei o fim de semana estudando conservação de energia. E não percebi que alguma coisa estava mudando no meu prédio, sem a minha interferência. Síndico e porteira se uniram numa batalha contra o desperdício e realizaram, na prática, o que os livros indicavam.
Começaram com os elevadores. Para que dois elevadores, se um deles fica sempre vazio? Resolveram alternar seu funcionamento: até as 17h funciona um, depois funciona o outro.
Depois disso, saíram pelo prédio, garagem inclusive, checando quantas lâmpadas eram supérfluas, isto é, com que redução era possível trabalhar. Além disso, é claro, examinaram a possibilidade de trocar as que restaram por lâmpadas mais frias, que gastam menos e duram mais.
Até aí não tinham gasto nada. Tiveram que calcular os gastos com as novas lâmpadas, o que nos meus livros era chamado de pequenas inovações tecnológicas. Certas empresas, como a americana Parker, investiram US$ 50 mil em inovação tecnológica e realizaram uma economia anual de US$ 1,2 milhão [Robert Stobaugh e Daneil Yergin, "Energy Future -Report of the Energy Project at the Harvard Business School" (o futuro da energia -relato do projeto energético da Harvard Business School), ed. Random House, EUA].
A porteira e o síndico buscavam resultados mais modestos. No caminho, descobriram também que nosso prédio era pouco inteligente, quase nada inteligente, para dizer a verdade. Se você sai do elevador e acende a luz do corredor em qualquer andar, todos os andares se iluminavam também. Portanto foi preciso trazer um eletricista para limitar a luz ao andar que precisa dele em determinado momento.
Estamos longe dos hotéis cinco estrelas que usam um cartão magnético como chave e desarmam a luz, automaticamente, quando retiramos o cartão. Demos, no entanto, um pequeno passo rumo ao futuro. Aliás, pode ser um minúsculo passo, mas isso só vamos saber quando chegar a conta de luz no fim do mês.
Um senador americano, certa vez, foi questionado sobre o tema "conservação de energia". Por que não falava do tema? A resposta: não tem qualquer glamour ficar explicando qual a forma mais econômica de se torrar o pão. As pessoas dormiriam, segundo ele, que usou uma expressão mais forte: "Enterrariam o nariz no Rice Krispies".
E, num painel sobre energia, 48 senadores optaram por discutir o suprimento e apenas dois se interessaram pela conservação.
Outro dia, o economista Paul Krugmann citou um político que dizia que conservação de energia era coisa de frouxo, o negócio era produzir e consumir. Esse espírito, que talvez não seja só norte-americano, mas de todos os países mais jovens, vai passar por uma grande prova no Brasil. Como passou em Los Angeles, em 73. No final da crise, quando tudo voltou ao normal, o consumo de energia caiu 8%.
Mesmo com as falhas do governo brasileiro, as pessoas tiveram a maturidade de buscar saídas próprias, de inventar seus caminhos, revelando que, na realidade, a energia mesmo está na sociedade; ela não deixa o país para baixo. E, nesse movimento, vamos nos distanciando um pouco do grande modelo inspirador norte-americano.
Como os norte-americanos acham que conservar energia é coisa de frouxo, têm uma das piores relações entre energia utilizada e dólar produzido.
A energia que eles gastam para obter um dólar de seu produto nacional é o dobro da que o Japão e a França precisam para produzir o mesmo dólar e um pouco menos que o dobro da Alemanha, país que, por sua vez, está com inúmeros projetos de conservação, para melhorar mais ainda sua performance.
Por isso que desde o princípio não me fixei muito nos erros do governo, embora alguém tenha de responder por isso no momento adequado. Sabia que a sociedade brasileira teria uma chance de questionar um modelo insustentável. Se começássemos no meio de março, quando morreram as esperanças de chuva, certamente teríamos mais chance de evitar os cortes.
Virou quase um lugar-comum aquela definição chinesa de que a crise é também uma possibilidade. Mas, já que cedemos ao clichê, por que não capitular de vez e afirmar que o ditado cai como uma luva para descrever esse momento do Brasil?



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