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FERNANDO GABEIRA
Alguma coisa acontecendo antes de escurecer
Passei o fim de semana estudando conservação de
energia. E não percebi que alguma coisa estava mudando no
meu prédio, sem a minha interferência. Síndico e porteira se uniram numa batalha contra o desperdício e realizaram, na prática,
o que os livros indicavam.
Começaram com os elevadores.
Para que dois elevadores, se um
deles fica sempre vazio? Resolveram alternar seu funcionamento:
até as 17h funciona um, depois
funciona o outro.
Depois disso, saíram pelo prédio, garagem inclusive, checando
quantas lâmpadas eram supérfluas, isto é, com que redução era
possível trabalhar. Além disso, é
claro, examinaram a possibilidade de trocar as que restaram por
lâmpadas mais frias, que gastam
menos e duram mais.
Até aí não tinham gasto nada.
Tiveram que calcular os gastos
com as novas lâmpadas, o que
nos meus livros era chamado de
pequenas inovações tecnológicas.
Certas empresas, como a americana Parker, investiram US$ 50
mil em inovação tecnológica e
realizaram uma economia anual
de US$ 1,2 milhão [Robert Stobaugh e Daneil Yergin, "Energy
Future -Report of the Energy
Project at the Harvard Business
School" (o futuro da energia
-relato do projeto energético da
Harvard Business School), ed.
Random House, EUA].
A porteira e o síndico buscavam
resultados mais modestos. No caminho, descobriram também que
nosso prédio era pouco inteligente, quase nada inteligente, para
dizer a verdade. Se você sai do elevador e acende a luz do corredor
em qualquer andar, todos os andares se iluminavam também.
Portanto foi preciso trazer um
eletricista para limitar a luz ao
andar que precisa dele em determinado momento.
Estamos longe dos hotéis cinco
estrelas que usam um cartão
magnético como chave e desarmam a luz, automaticamente,
quando retiramos o cartão. Demos, no entanto, um pequeno
passo rumo ao futuro. Aliás, pode
ser um minúsculo passo, mas isso
só vamos saber quando chegar a
conta de luz no fim do mês.
Um senador americano, certa
vez, foi questionado sobre o tema
"conservação de energia". Por
que não falava do tema? A resposta: não tem qualquer glamour
ficar explicando qual a forma
mais econômica de se torrar o
pão. As pessoas dormiriam, segundo ele, que usou uma expressão mais forte: "Enterrariam o
nariz no Rice Krispies".
E, num painel sobre energia, 48
senadores optaram por discutir o
suprimento e apenas dois se interessaram pela conservação.
Outro dia, o economista Paul
Krugmann citou um político que
dizia que conservação de energia
era coisa de frouxo, o negócio era
produzir e consumir. Esse espírito, que talvez não seja só norte-americano, mas de todos os países mais jovens, vai passar por
uma grande prova no Brasil. Como passou em Los Angeles, em
73. No final da crise, quando tudo
voltou ao normal, o consumo de
energia caiu 8%.
Mesmo com as falhas do governo brasileiro, as pessoas tiveram
a maturidade de buscar saídas
próprias, de inventar seus caminhos, revelando que, na realidade, a energia mesmo está na sociedade; ela não deixa o país para
baixo. E, nesse movimento, vamos nos distanciando um pouco
do grande modelo inspirador
norte-americano.
Como os norte-americanos
acham que conservar energia é
coisa de frouxo, têm uma das piores relações entre energia utilizada e dólar produzido.
A energia que eles gastam para
obter um dólar de seu produto
nacional é o dobro da que o Japão
e a França precisam para produzir o mesmo dólar e um pouco
menos que o dobro da Alemanha,
país que, por sua vez, está com
inúmeros projetos de conservação, para melhorar mais ainda
sua performance.
Por isso que desde o princípio
não me fixei muito nos erros do
governo, embora alguém tenha
de responder por isso no momento adequado. Sabia que a sociedade brasileira teria uma chance
de questionar um modelo insustentável. Se começássemos no
meio de março, quando morreram as esperanças de chuva, certamente teríamos mais chance de
evitar os cortes.
Virou quase um lugar-comum
aquela definição chinesa de que a
crise é também uma possibilidade. Mas, já que cedemos ao clichê,
por que não capitular de vez e
afirmar que o ditado cai como
uma luva para descrever esse momento do Brasil?
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