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Aposentada deu à luz filhos gêmeos sozinha
DA ENVIADA ESPECIAL
"Naquele tempo não tinha carro e já era tarde da noite quando
percebi que estava na hora de o
bebê nascer. Então sentei na cama, pedi para o meu marido pegar a lata de água que já estava no
fogo e cortei sozinha o umbigo
dos gêmeos."
O relato é de Leonor Pereira de
Barros do Amaral, 96, que vive na
fazenda Pinhal e, lúcida, lembra
dos eventos da sua vida como se
eles tivessem acontecido ontem.
Como o parto dos filhos gêmeos
que ela realizou sozinha, já que o
marido não parava de tremer como uma vara verde. "Você vai fazer arte", disse o marido a ela
quando percebeu o que iria acontecer. "Arte a gente já fez, agora...", relata ela, dando risada.
A experiência dos 12 filhos (6
homens e 6 mulheres, coincidentemente, como a condessa do Pinhal) a habilitou para fazer o parto de quase todos os netos, o que
lhe dá muito orgulho.
Leonor também se lembra nos
mínimos detalhes do dia em que
matou uma jaracuçu dourada
com uma enxadada, para temor
dos homens que a viram com um
pedaço da cabeça da cobra venenosa nas mãos.
A longevidade de Leonor deve
se aproximar à da condessa do Pinhal, que viveu 104 anos e de
quem a aposentada se lembra
bem. "Ela falava baixinho, se alimentava pouco e quase não se
movia." Segundo a aposentada, a
condessa dizia ter saudades do
tempo em que podia caminhar e
governar os empregados. A pele
dela era tão clara que dava até
"para enxergar as veias azuis".
Uma das filhas de Leonor foi dama de companhia da condessa e
lhe relatava algumas das intimidades do casarão, como o enterro
da condessa, em São Paulo, que,
segundo ela, tinha até salgadinho,
o que surpreendeu muito a filha.
Embora tenha tido uma vida difícil, Leonor considera ter tido
sorte porque pôde criar os filhos
com honestidade. Os filhos sempre a ajudavam na roça "pra mode não ficar vagabundo". E todos
cresceram na fazenda Pinhal.
"Não sabia escrever nenhum "o".
[Mesmo com falta de conhecimento], nunca entrou nenhuma
idéia ruim na minha cabeça. Onde entro sei entrar."
Órfã de pai e mãe ainda criança,
ela chegou à Pinhal com oito anos
de idade e diz gostar do local como se as terras fossem suas. "A fazenda tinha tanto porco que parecia gado." Ela também se recorda
com saudades da época da colheita do algodão, quando o aspecto
da fazenda ficava todo branquinho. "Era uma beleza."
Mas a vida era dura e o cunhado, responsável pela então jovem
Leonor, não a deixava sair, embora ela trabalhasse muito e adorasse um baile. Até que conheceu o
primeiro marido aos 18 anos e se
rebelou. "Agora que arrumei namorado, ninguém me segura",
conta que falou ao cunhado.
O casamento durou 55 anos e só
terminou com a morte do companheiro. Embora tenha ficado triste, Leonor não se deixou abater.
Diz ter casado novamente "pra
mode não ficar levando desaforo
de nora". E o segundo casamento
durou outros dez anos.
Hoje vive com a filha e o genro
José da Silva, 84. E diz estar feliz.
"Não quero outra vida. Meus netos me querem bem e seu José não
é meu genro, mas um dos meus filhos", diz ao expressar o quanto
gosta do marido da filha.
Ainda ativa, bebe toda noite um
copo de garapa com pão antes de
dormir e nunca reclama. "Nós
que somos mais novos sentimos
mais dor que ela", diz Creuza da
Silva, mulher de um dos netos.
Leonor se distrai com a companhia dos netos e com o crochê, cujas peças vende por R$ 3 aos hóspedes da fazenda, que compram
sua arte como uma maneira de
agradecer a oportunidade de interagir, durante um simples dedo
de prosa, com uma mulher que é
exemplo de vida.
(MV)
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