São Paulo, segunda-feira, 21 de maio de 2001

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Aposentada deu à luz filhos gêmeos sozinha

DA ENVIADA ESPECIAL

"Naquele tempo não tinha carro e já era tarde da noite quando percebi que estava na hora de o bebê nascer. Então sentei na cama, pedi para o meu marido pegar a lata de água que já estava no fogo e cortei sozinha o umbigo dos gêmeos."
O relato é de Leonor Pereira de Barros do Amaral, 96, que vive na fazenda Pinhal e, lúcida, lembra dos eventos da sua vida como se eles tivessem acontecido ontem.
Como o parto dos filhos gêmeos que ela realizou sozinha, já que o marido não parava de tremer como uma vara verde. "Você vai fazer arte", disse o marido a ela quando percebeu o que iria acontecer. "Arte a gente já fez, agora...", relata ela, dando risada.
A experiência dos 12 filhos (6 homens e 6 mulheres, coincidentemente, como a condessa do Pinhal) a habilitou para fazer o parto de quase todos os netos, o que lhe dá muito orgulho.
Leonor também se lembra nos mínimos detalhes do dia em que matou uma jaracuçu dourada com uma enxadada, para temor dos homens que a viram com um pedaço da cabeça da cobra venenosa nas mãos.
A longevidade de Leonor deve se aproximar à da condessa do Pinhal, que viveu 104 anos e de quem a aposentada se lembra bem. "Ela falava baixinho, se alimentava pouco e quase não se movia." Segundo a aposentada, a condessa dizia ter saudades do tempo em que podia caminhar e governar os empregados. A pele dela era tão clara que dava até "para enxergar as veias azuis".
Uma das filhas de Leonor foi dama de companhia da condessa e lhe relatava algumas das intimidades do casarão, como o enterro da condessa, em São Paulo, que, segundo ela, tinha até salgadinho, o que surpreendeu muito a filha.
Embora tenha tido uma vida difícil, Leonor considera ter tido sorte porque pôde criar os filhos com honestidade. Os filhos sempre a ajudavam na roça "pra mode não ficar vagabundo". E todos cresceram na fazenda Pinhal.
"Não sabia escrever nenhum "o". [Mesmo com falta de conhecimento], nunca entrou nenhuma idéia ruim na minha cabeça. Onde entro sei entrar."
Órfã de pai e mãe ainda criança, ela chegou à Pinhal com oito anos de idade e diz gostar do local como se as terras fossem suas. "A fazenda tinha tanto porco que parecia gado." Ela também se recorda com saudades da época da colheita do algodão, quando o aspecto da fazenda ficava todo branquinho. "Era uma beleza."
Mas a vida era dura e o cunhado, responsável pela então jovem Leonor, não a deixava sair, embora ela trabalhasse muito e adorasse um baile. Até que conheceu o primeiro marido aos 18 anos e se rebelou. "Agora que arrumei namorado, ninguém me segura", conta que falou ao cunhado.
O casamento durou 55 anos e só terminou com a morte do companheiro. Embora tenha ficado triste, Leonor não se deixou abater.
Diz ter casado novamente "pra mode não ficar levando desaforo de nora". E o segundo casamento durou outros dez anos.
Hoje vive com a filha e o genro José da Silva, 84. E diz estar feliz. "Não quero outra vida. Meus netos me querem bem e seu José não é meu genro, mas um dos meus filhos", diz ao expressar o quanto gosta do marido da filha.
Ainda ativa, bebe toda noite um copo de garapa com pão antes de dormir e nunca reclama. "Nós que somos mais novos sentimos mais dor que ela", diz Creuza da Silva, mulher de um dos netos.
Leonor se distrai com a companhia dos netos e com o crochê, cujas peças vende por R$ 3 aos hóspedes da fazenda, que compram sua arte como uma maneira de agradecer a oportunidade de interagir, durante um simples dedo de prosa, com uma mulher que é exemplo de vida. (MV)



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