São Paulo, Segunda-feira, 21 de Junho de 1999
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QUALQUER VIAGEM
Cadaques: o loooouco amor on the rocks de gala

DAVID DREW ZINGG
voando para a Espanha

 "Não pinto um retrato para que se pareça com seu sujeito. É a pessoa que acaba se parecendo com seu retrato pintado por Dalí." Salvador Dal(í)
Cadaques é uma cidade espanhola de praia bem doida.
A minúscula cidade portuária fica logo ao norte de Barcelona, a caminho da França.
É o tipo de lugar da moda que é frequentado pelo tipo de pessoa que tem tanto dinheiro que, se você lhe perguntasse, ela teria dificuldade em lhe dizer exatamente QUANTO tem.
Parafraseando um velho ditado gringo sobre esnobes ricos, em Cadaques os Esteves só falam com os Guinesses, e os Guinesses só falam com Deus.
No verão, os turistas superam os habitantes locais da cidade numa proporção de mais ou menos 10 para 1.
Poucas das pessoas que invadem a cidadezinha que parece saída de um cartão-postal, com casas caiadas, ruelas íngremes e barcos pesqueiros pintados em cores vivas, o fazem por suas praias, que são pequenas e recobertas de pedras.
A maioria ainda vem atraída pela magia do falecido Salvador Dal (que você, Joãozinho, conhece por Dalí).
Era aqui que o pintor surrealista passava suas férias em família, e foi aqui que viveu boa parte de sua vida sexualmente apimentada, logo aqui perto, em Port Lligat.
Tio Dave também costumava frequentar esse lugar, no final dos anos 50.
Visitei o gênio exageradamente bigodudo e sua mulher, Gala, que me examinou de alto a baixo, com ar de conhecedora, com um par de olhos estranhamente brilhantes e ardentes.
(Foi só mais tarde que fui saber de alguns dos prazeres ninfomaníacos que a senhora Dal curtia. Ela continuou sexualmente ativa, e muito, até bem depois de completar 80 anos.)

Dal, tímido?
Parece difícil de acreditar, mas Dal, o pintor expansivo, que se autopromovia a toda hora e parecia viver nas primeiras páginas do mundo, começou a vida na Catalunha como uma criança tímida e reticente.
Dolorosamente encabulado, apavorado com a idéia de que pudesse ser sexualmente impotente, os diários incompletos da adolescência de Dal mostram que, aos 16 anos, ele já decidira que só conseguiria sobreviver emocionalmente se construísse uma personalidade extrovertida e exibicionista que usaria para enfrentar o mundo.
Suas aventuras sexuais começaram quando Dal conheceu o poeta francês Paul Eluard, numa visita a Paris. A esposa de Eluard, a russa Gala, estava fora da cidade, e o poeta se divertia mostrando fotos dela nua ao espantado e faminto de sexo Dal, ainda virgem.
Dal acabara de fazer com Luis Bu$uel o filme "Um Cão Andaluz".
Os surrealistas parisienses ficaram impressionados com "Um Cão Andaluz" e intrigados com Dal, que convidou Bu$uel, Eluard e René Magritte a visitá-lo mais tarde naquele verão, com suas respectivas parceiras.
Eles se reuniriam em Cadaques, o paraíso de infância de Dal na Costa Brava, onde sua família tinha uma casa de praia.
O alegre grupo se reuniu no povoado distante no início de agosto de 1929.

Prazeres russos
Quando Dal viu Gala de maiô na praia de Es Llane, em Cadaques, a realidade superou suas fantasias mais desvairadas.
A "mignonne" russa-transformada-em-parisiense era o corpo de seus sonhos personificado.
Para serem belos aos olhos de Dal, seios tinham que ser pequenos. Seios fartos provocavam sua repulsa. Os de Gala se adequavam exatamente a seu ideal.
Eram "tão doces", como Eluard certa vez escreveu a ela, "que dá vontade de comê-los".
O próprio Dal nunca deixaria de afirmar que ele, pessoalmente, era apreciador de bundas. De fato, chegou ao ponto de se dizer o maior pintor de bundas femininas de todos os tempos.
Agora, depois de uma espera tão longa e angustiante, a própria Venus Callipygia tomara forma concreta diante de seus olhos e no cenário que ele amava mais do que qualquer outro no mundo: a praia de El Llanes, que Dal descobrira ainda criança.
O cenário era ideal, o físico, perfeito. Foi desejo desvairado à primeira vista.
Gala, claramente, era um vulcão erótico a ponto de entrar em erupção.
Ela detestava feiúra física ou deformidades de qualquer espécie, de modo que seus amantes tinham, obrigatoriamente, que ser belos. Dal satisfazia seus critérios à perfeição.
Assim começou o período mais original e criativo na vida do pintor, que continuou até que ele e Gala fugiram para os Estados Unidos, em 1940.
Apesar dos inúmeros casos de Gala, que continuaram até quase seus 90 anos, os dois permaneceram juntos por quase 50 anos.
Sem o tino de Gala para os negócios, sua motivação, sua ambição implacável, seu egoísmo monstruoso e sua crença profunda no talento de Dal, a vida de Salvador teria, sem dúvida, sido uma história diferente (e, possivelmente, mais bonitinha).
"Não fosse por ela", admitiu o pai de Dal a contragosto, quando já estava velho, "meu filho teria virado um vagabundo, dormindo debaixo de alguma ponte de Paris."


David Drew Zingg está viajando a convite da Spanair, Finnair e do Conselho Finlandês de Turismo.

Tradução de Clara Allain




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