São Paulo, segunda, 22 de junho de 1998

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QUALQUER VIAGEM
Eu e Bruce Springsteen juntos, mas separados por 50 anos

DAVID DREW ZINGG
na costa de Nova Jersey

"Deve ser ótimo ser uma garota no verão. Você pode ir às montanhas para ver a paisagem ou ir à praia para ser a paisagem." Milton Berle

É lá mesmo o quente da ação.
Estou me referindo à ação do verão.
A ação está nas praias de Nova Jersey, no "boardwalk" (você se lembra? Aquela espécie de calçadão de madeira).
Cem anos atrás, algum empresário vitoriano de espírito empreendedor olhou para as ainda virgens dunas de areia e para as ondas do mar, com sua névoa de espuma, e decidiu que esse era o lugar certo para construir um brinquedo de parque de diversões chamado Tilt-a-Whirl, algo no estilo do chapéu-mexicano.
Mais tarde, quando as multidões começaram a lotar a praia, construiu um hotel e um calçadão, feito de tábuas, para que as damas da sociedade pudessem se divertir sem sujar os sapatinhos de areia.
Hoje, o legado deixado por aquele empresário pioneiro sobrevive (e como!) nas Great Boardwalk Towns -as Grandes Cidades de Calçadão de Madeira-, de Nova Jersey. Os "boardwalks", esses calçadões convidativos, feitos de florestas assassinadas, têm pelo menos 15 metros de largura e se estendem por quilômetros a fio.
A Great Boardwalk Town mais próxima de Nova York é Asbury Park, notável principalmente devido ao "factóide" histórico de o mesmo "boardwalk" ter sido frequentado por tio Dave e Bruce Springsteen, embora em momentos históricos ligeiramente distintos (separados por uns 50 anos).
Ao lado de Asbury Park fica o paraíso vitoriano à beira-mar de Ocean Grove. Meu avô, um sujeito seriamente dedicado a suas crenças religiosas, vivia numa barraca aqui e ajudou a construir a igreja do Tabernáculo de Ocean Grove, que tinha fama de ser a maior estrutura de madeira do mundo cristão.
Foi na praia em frente ao "boardwalk" que o Rato de Praia Dave alugava guarda-sóis para uma senhora vitoriana de moral rígida, Mrs. Doyle. E foi debaixo do "boardwalk" que o Lover Boy Dave "ficou" com sua namoradinha adolescente, Oona.

O que é que o "boardwalk" tem
O "boardwalk", no verão, é um bulevar dos mais agitados.
De um lado do "boardwalk" se estende a praia e, depois dela, o oceano Atlântico. No meio do "boardwalk" se acotovelam milhares e milhares de jovens bronzeados com diminutos shortinhos jeans.
Do outro lado, o da cidade, as lojas e as atrações turísticas se comprimem lado a lado, competindo ruidosamente por causa dos dólares dos turistas de verão. Elas consistem principalmente no seguinte:
- salões de boliche Skee-Ball que oferecem prêmios irresistivelmente sedutores, como ioiôs luminosos, a quem atinge a marca virtualmente inacessível de 150 mil pontos;
- o homem que se oferece para adivinhar seu peso. Você só paga se o sujeito errar em um quilo a mais ou a menos. Ele nunca erra. O refrão que vive repetindo é: "Nunca encosto nas damas!";
- videntes e cartomantes de opiniões decididas, todas chamadas Madame Marie: "Não, não, não! Você não pode se casar com esse homem! Devolva JÁ esse anel de noivado!";
- barracas que premiam com enormes e tentadores bichos de pelúcia qualquer pessoa capaz de ter a proeza elementar de derrubar três garrafas de cimento sólido com uma bolinha leve, peso-pena;
- lojas de camisetas que dão descontos especiais para quem compra meia dúzia de pares de camisetas combinadas, uma para ele e uma para ela, anunciando, respectivamente: "Idiota" e "Estou com um idiota";
- brinquedos infantis de parque de diversões, com efeitos sonoros amplificados e projetados especificamente para provocar enxaqueca nos adultos;
- a produção total de placas de neon de toda a Gringolândia, todas funcionando espantosamente bem;
- dependendo da lei vigente em cada cidade, bares de cerveja nos quais você leva pelo menos uma hora para conseguir entrar. E espera pelo menos mais uma hora para ser servido, momento no qual, graças a Deus, consegue colocar a mão em volta do copo de cerveja, já morno, mas ainda assim mais do que bem-vindo.
Outra coisa encontrada às pencas ao longo do lado interno do "boardwalk" são inúmeros estabelecimentos de fast food que não são McDonald's e que oferecem cardápios tirados dos Cinco Principais Grupos de Alimentos Típicos do Boardwalk:
- cachorros-quentes (simples; com mostarda amarelo-beisebol, tempero verde e Sauerkraut; com pimenta "chilli"; com queijo, com salsicha de Viena do Texas; e cachorro-quente duplo italiano);
- mariscos (fritos ou ao natural, na casquinha);
- sanduíches Submarine ou Hero, de 30 cm de comprimento (com recheio de almôndegas, ou salsicha, ou filé, ou carnes em geral, com ou sem pimenta e molhos diversos);
- batatinha frita (simples, com muito ketchup, queijo ou sabor churrasco);
- doces causadores de cáries (algodão doce, "fudge" -um doce de chocolate em tabletinhos- e, principalmente, puxa-puxa de água salgada, feito ali mesmo, diante de seus olhos estarrecidos);

Wildwood, muito doida
Wildwood é a última cidade na extremidade sul da longa cadeia de Great Boardwalk Towns, de Nova Jersey. Seu nome já é indicativo de uma realidade gritante. É aqui que se encontram garotas bronzeadas, do tipo MTV, o verão todo.
Wildwood possui uma coleção realmente notável das melhores montanhas-russas e dos melhores brinquedos emocionantes de parque de diversões, reunidos em quatro grandes plataformas de cais, as quais se projetam por cima do mar. A cidade afirma figurar logo atrás da Disney World como o ponto de diversões mais frequentado da costa leste dos Estados Unidos.
Enquanto a vizinha Cape May orgulhosamente anuncia o valor histórico de suas cuidadosamente restauradas e preservadas mansões vitorianas do século 19, ostentosamente enfeitadas, Wildwood promove outro tipo de arquitetura. A cidade promove tours especiais a seus antigamente "futuristas" "motels" -os hotéis americanos onde viajantes de carro se hospedam ao lado de seus veículos-, carinhosamente apelidados na cidade de "Jetson Fins" ou "Doo-wop". Oscar Niemeyer se sentiria em casa.

À noite, Wildwood positivamente brilha. Vista de longe, desde o mar, a cidade deve iluminar o distante horizonte americano com um brilho colorido, como fazia Coney Island, em Nova York, em épocas anteriores, aos olhos estarrecidos dos imigrantes que chegavam da Europa.


Tradução de Clara Allain.



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