São Paulo, segunda-feira, 22 de julho de 2002

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MENTES

Construções amadas pelo poeta são restauradas

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Carlos Drummond de Andrade, de perto ou mesmo distante, sempre acompanhou as mudanças de Itabira, que hoje tem 100 mil habitantes e é uma das sedes da Companhia Vale do Rio Doce.
O povoado de Itabira do Mato Dentro foi fundado em 1720 por colonos e escravos, vindos atrás do ouro de Minas Gerais. Drummond pôde conhecer as construções daquela época. Muitas delas existem ainda hoje e passam por restaurações, como a primeira igreja erguida por escravos da região, a de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, de 1775. A pintura no teto é em estilo rococó.
Se as campas onde foram sepultados os negros, os escravos e os alforriados da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário não podem ser vistas, Drummond imortalizou-as em sua poesia "Cemitério do Rosário": "À beira do córrego, à beira do ouro,/ à beira da História,/ à beira da beira, os mais esquecidos/ inominados/ de todos os mortos antigos/ dissolvem a idéia de morte/ em ausência deliciosa,/ lembrança de vinho/ em garrafão translúcido".
No atual centro histórico de Itabira, alguns casarões de arquitetura colonial, como a primeira sede do hospital Nossa Senhora das Dores e a casa paroquial Nossa Senhora do Rosário, relembram a história da cidade.
Na antiga Casa da Câmara, que abriga o museu de Itabira, são realizadas exposições temáticas temporárias. O museu tem peças de ferro da época da escravatura e o arquivo público municipal.
A Casa da Banda Euterpe Itabirana guarda partituras escritas a partir do século 17 e sua fachada possui entalhes de instrumentos musicais em madeira e metal.
A arquitetura colonial e aquele jeito de cidade pequena que Itabira ainda preserva sempre cativaram Drummond. Mas o poeta se angustiou com a transformação da cidade, onde no início do século 20 o minério de ferro começou a ser explorado, primeiro por ingleses, depois pela CVRD (Companhia Vale do Rio Doce), em 1942 (leia mais na pág. F4).
Foi também na primeira metade do século passado que a cidade ganhou uma associação comercial, a primeira agência bancária e a Indústria de Minas Gerais S/A.
No campo cultural, houve a criação do Centro Itabirano, local de festas e encontros literários e musicais, que foi desativado. Itabira já contava com quatro jornais, um cinema e três colégios.
A cidade vivia da exportação de cana, cereais e cabeças de gado, além da exploração de ferro. Hoje a agropecuária continua presente na vida itabirana, embora seja menos importante. A principal atividade econômica da cidade é a mineração, com a CVRD.
Drummond era ferrenho contestador da presença da CVRD na cidade. Apesar de acompanhar tudo de longe, ele não deixava de colocar seu olhar crítico sobre o cotidiano, como na poesia "Paredão": "Uma Cidade toda paredão/ Paredão em volta das casas./ Em volta, paredão, das almas./ O paredão dos precipícios./ O paredão familial./ Ruas feitas de paredão./ O paredão é a própria rua,/ onde passar ou não passar/ é a mesma forma de prisão./ Paredão de umidade e sombra,/ sem uma fresta para a vida./ A canivete perfurá-lo,/ a unha, a dente, a bofetão?/ Se do outro lado existe apenas/ outro, mais outro, paredão?".
(MIRELLA DOMENICH)


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