São Paulo, segunda-feira, 22 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MENTES DE MINAS

Atividade, que angustiava o poeta, transformou pico do Cauê num grande buraco

Mineração destruiu cartão-postal

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Drummond amava Itabira? A pergunta, que já causou muita polêmica entre os itabiranos, parece não mais acometê-los de tantas dúvidas. Segundo seu primo de terceiro grau Walde Andrade, 42, Drummond sempre gostou de Itabira, mas, além de preferir a cidade que conhecera na infância, ele não gostava de viajar. Certa vez declarou: "Não preciso rever Itabira para estar em Itabira. Nela estou desde quando nasci. É meu clima, limite, medula".
O poeta se negava a visitar Itabira. Quando o fazia, era tomado por uma grande angústia. Uma das responsáveis por esse sentimento era a atividade mineradora que pouco a pouco foi mudando a economia e o ambiente da região.
A impressão de tudo aquilo que acontecia, Drummond descreveu em "Confissões de Minas", de 1944: "É curiosa esta Vila de Utopia, posta na vertente da montanha venerável e adormecida na fascinação do seu bilhão e 500 milhões de toneladas de minério com um teor superior a 65% de ferro, que darão para abastecer 500 mundos durante 500 séculos, conforme garantia o visconde de Cerro Frio".
Mas não é preciso ser itabirano para ficar angustiado com a devastação provocada pela mineração na cidade. O Complexo Minerador de Itabira, da CVRD (Companhia Vale do Rio Doce), tem duas principais minas, a do Cauê e a da Conceição. A do Cauê foi a primeira a começar a ser explorada, ainda por ingleses, em 1929.
Quando Drummond a conheceu, ela era um pico, o pico do Cauê, cartão-postal e mirante natural da cidade. Hoje é uma cava, um grande buraco sem vegetação que, vista do alto, é uma imagem triste do progresso acelerado.
A exploração contínua da mina do Cauê vai gerar seu esgotamento em 2004, quando ela se tornará depósito de rejeitos (material pobre de minério de ferro) da usina do Cauê. O gerente-geral do Complexo Minerador de Itabira, Vicente Bernardes, explica que o complexo de Itabira tem potencial minerador até 2025.
A mineração não é uma atividade de impacto ao ambiente se for feita respeitando os monumentos históricos, ecológicos e culturais, afirma a ambientalista Maria Dalce Ricas, 52, superintendente executiva da Amda (Associação Mineira de Defesa do Ambiente). "A Vale começou suas atividades quando as leis ambientais não estavam estabelecidas, e o ambiente nunca foi respeitado", diz. "A empresa cresceu sem nenhum planejamento urbano."
Em Itabira, a CVRD tem gerado desmatamento, assoreamento, poluição dos rios, poeira e rachaduras em casas próximas às minas, segundo o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, Hamilton Lage.

Proteção ambiental
Em 2000, a Fundação do Meio Ambiente de Minas Gerais, a Prefeitura de Itabira, a população e a CVRD fizeram debates para começar o processo de Licença de Operação Corretiva. Se a empresa cumprir 52 condicionantes estabelecidas até 2004, passará a atuar sob regras legais de proteção ambiental. Com o processo, Itabira teve garantida a aprovação das exigências, que buscam recompensar a cidade pelos danos causados pela mineração.
A CVRD vai investir US$ 15 milhões até 2004 para atender as condicionantes. A pedido da comunidade, boa parte do dinheiro será aplicada na construção de parques e quadras esportivas.
Entre as medidas que a empresa tem de cumprir estão a melhora e a ampliação do sistema de captação e tratamento de água, a construção de quatro passarelas sobre a linha de trem, que corta a empresa e prejudica a passagem das pessoas, e a reconstrução, prevista em R$ 800 mil, da Casa da Fazenda do Pontal, onde Drummond passava as férias. A reinauguração da casa, que será aberta à visitação, está prevista para 31 de outubro, data do centenário do poeta.
Em Itabira, a CVRD emprega 4.200 pessoas, incluindo a mão-de-obra terceirizada. É a maior empregadora da cidade. Em 2001, gerou à prefeitura R$ 48,7 milhões dos R$ 60 milhões em impostos.
O tamanho da companhia é assustador se comparado ao do centro da cidade. Basta reparar no porte dos caminhões que circulam nas estradas internas da empresa: são os maiores do país, com 12 m de altura, 14 m de comprimento, 6 m de largura e capacidade para 280 toneladas.
Drummond não chegou a presenciar a privatização da CVRD, que foi arrematada pelo Consórcio Brasil em 1997. (MD)


Texto Anterior: Construções amadas pelo poeta são restauradas
Próximo Texto: "Fiz da poesia um sofá de analista"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.