São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2004

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ITÁLIA-BRASIL

Turista deve fazer descobertas na cidade, cheia de escadas e bares para descansar, sem se tomar pela rigidez

Intimidade supera a eternidade romana

VINCENZO SCARPELLINI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Roma é um lugar para passear. De certa forma, todo o mundo já andou pela Cidade Eterna: imperadores, escravos, papas e heréticos, príncipes, invasores e peregrinos. E artistas, quantos artistas!
"Todas as reputações ficam pequenas quando entram nessa cidade célebre", dizia o escritor francês Stendhal (1783-1842).
E nós podemos nos entregar às pernas e errar pelas ruas, sem outra preocupação que o repouso do espírito. Mas atenção: precisamos evitar toda forma de reflexão metódica; precisamos deixar que os pensamentos vaguem sem meta, deslizando acima e abaixo de prédios e ruínas. O prazer está em se deixar fascinar pelo sabor de praças, esquinas ou igrejas, senti-las, antes de reconhecê-las.
Boa parte do centro de Roma é fechada aos carros, e isso proporciona a liberdade de movimento que o trânsito subtrai ao passeante, degradando-o a um simples pedestre. Temos assim o direito de ser visão ambulante, de sonhar de olhos abertos e de gozar de tudo. Nada impede de olhar a cidade do alto, por exemplo, do Giardino degli Aranci, no colle Aventino. Depois se deve buscar a cúpula de São Pedro do buraco da fechadura do prédio dos Cavaleiros da Ordem de Malta. E, então, olhar para atrás e reparar na beleza da praça desenhada no século 18 por Piranesi (famoso pelas gravuras de prisões imaginárias).
E, quando os pés reclamam, não devemos ignorá-los: Roma é cheia de escadas para sentar e de bares com mesas na rua. Se estamos na Piazza di Spagna, além da escada monumental que leva ao Pincio, o refúgio é o antigo Caffé Greco, teatro das extenuantes disputas entre as vanguardas artísticas do início do século passado.
Perto de Piazza Farnese, é melhor entrar na praça por uma das estreitas ruas laterais: o espaço arquitetônico explodirá diante dos olhos. Em seguida, podemos sentar no bar à esquina e admirar a fachada do Palazzo Farnese, que tem o toque de Michelangelo. Depois, voltando para o Campo dei Fiori, considere o forno na esquina à esquerda, que faz uma pizza simples e saborosa. Ou, ainda, podemos nos abandonar na sorveteria Giolitti, ao lado do Parlamento, ou na San Callisto, na Piazza San Callisto, em Trastevere: estilos diferentes, alta qualidade.
Na livraria Ferro de Cavallo, a melhor para livros de arte, na via de Ripetta, em frente à Accademia, é possível sentar e conversar amavelmente com o dono sobre fotografia e pintura.
Quem tiver um dia inteiro poderá passear na vila de Adriano, a Tivoli, levando consigo "Memórias de Adriano", de Marguerite Yourcenar. A vila era o pós-moderno da época, pois Adriano -imperador que viveu no século 2º- adorava misturar todos os estilos que encontrava nas suas viagens pelo império. Em seguida, num pulo de vários séculos, o passeio continua na Villa D'Este, que está bem próxima.
Um passeio interessante pode ser a desvairada busca da Fiaschetteria Beltrame, que está entre a via de Babuino e a via del Corso. Era a trattoria preferida de Fellini e de seu roteirista Ennio Flaiano, do pintor Maccari e de Tonino Guerra, outro roteirista. Os filhos do dono conservam os esboços que eles faziam sobre toalhas.
Mas por que indicar pontos? O passeio é um acumulador de lembranças que se misturam a imagens, sons, cheiros e sabores. Cada um fará sua coleção. Quanto maior ela for, tantas mais nuanças teremos para reconstruir as emoções da viagem. Se soubermos passear, Roma passará, para nós, de Cidade Eterna a cidade interna.


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