São Paulo, quinta-feira, 24 de março de 2005

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REPÚBLICA GUARANI

Com fachada simples, a San Buenaventura guarda ornamentos barrocos em ouro com traço indígena

Igreja em Yaguarón adota regra franciscana

DA ENVIADA ESPECIAL AO PARAGUAI

A cidade de Yaguarón é daquelas que têm o mínimo para existir. Uma igreja, o Corpo de Bombeiros, o casario discreto e alguns bares. Qualquer um que goste um tiquinho só de barroco, ou que ache esculturas e adornos que confundem os olhos um bom programa, encontrará uma das visões mais lindas que um viajante pode ter no Paraguai.
Ao entrar na cidade, é difícil acreditar que nela possa haver algo interessante. É tudo pacato e comum. Ao avistar a igreja de San Buenaventura, o motivo pelo qual os turistas passam por ali, a sensação aumenta. Uma fachada mais do que simples, austera, apresenta-se. O turista fica com certa raiva de ter viajado quase 50 km de Assunção até ali só para ver o templo católico.
Ao entrar na igreja, no entanto, depara-se literalmente com uma visão dourada: os olhos são inundados de adornos do barroco hispano-guarani cobertos de ouro.
A cidade de Yaguarón foi a base dos franciscanos no Paraguai. A San Buenaventura segue o preceito da ordem: ser pobre por fora e rica por dentro, embora seja, na verdade, uma igreja jesuíta.
Ao passear com os olhos pela decoração, chama a atenção a pintura do teto: dezenas de quadradinhos com desenhos simples ao meio, difíceis de serem decifrados à distância.
São vegetais da região, como o milho. Trata-se de uma das muitas contribuições indígenas ao estilo, o que justifica a contemplação da etnia no nome desse tipo específico de barroco.
Então os olhos descem pelos pilares, pintados na diagonal em rosa, amarelo e verde. Em um dos processos de recuperação, foi descoberto que os pilares têm raízes. As árvores eram derrubadas inteiras, trabalhadas e reerguidas. A manutenção das raízes dava a sustentação necessária para a construção da igreja.
Em um desses pilares está encostado o púlpito. Além de bonito, é também uma façanha de arte e escultura. A peça foi originada de apenas uma árvore, talhada até dar origem à imagem que a sustenta, ao local do padre propriamente dito e aos adornos que parecem pairar acima dele.
E, finalmente, o altar é uma profusão de peças de madeira policromada e dourada. Uma característica peculiar desse altar é que nele está representada a figura do Deus criador, o Pai. Ele fica acima de tudo, quase encostado no teto.
Tudo nesse lugar foi esculpido pelos indígenas. A igreja começou a ser construída em 1755 e foi terminada 20 anos depois. Ao todo, 150 índios trabalharam nas obras. Ao longo dos anos, cem deles morreram. Para selar sua participação, eles pediram para serem enterrados nas paredes. Durante a restauração, em 1950, seus ossos foram encontrados. Os 50 sobreviventes tiveram o rosto pintado no teto da sacristia.
É uma boa idéia visitar a igreja com tempo. Apesar de ser apenas uma edificação e de não ser assim tão grande, há muita coisa para ser vista e contemplada.
(HELOISA LUPINACCI)


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