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PÉ VERMELHO, NORTE DO PARANÁ
>>Compositor londrinense fala das lendas sobre a história da cidade e relembra as impressões de infância
ANÁLISE
Arrigo Barnabé tenta desvendar terra roxa
ARRIGO BARNABÉ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Londrina. Ainda há pouco,
minha filha, Stella, teve que fazer um trabalho de geografia
sobre uma cidade brasileira.
Ela resolveu escolher Londrina, e pediu para que eu falasse
sobre a cidade para ela.
Então eu contei a história
glamorosa, de que Londrina foi
fundada por ingleses. E que eles
associaram a cerração que havia no local com o "fog" londrino, e daí resolveram batizar a
cidade com o nome de "pequena Londres", Londrina. Disse a
ela que eram lendas dos antigos, até hoje eu não sei se a história é verdadeira ou não. Mas
ela ficou encantada.
Se existiu, de fato, um "fog"
em Londrina, foi muito discreto, pois não me lembro de algum nevoeiro digno de nota (algo como aquela cerração que
aparece no filme "Amarcord",
quando o pai se perde em frente da própria casa...).
Mas, em compensação, Londrina tem um pôr do sol deslumbrante. E as nuvens são
mesmo muito bonitas, no céu
de lá. E ainda é possível contemplar, no bosque, que fica no
centro da cidade, ao lado mesmo da catedral, algumas perobas, árvores enormes, altíssimas, de pouca copa, pouca folha, madeira maciça.
E a cidade, nos seus primórdios, era toda madeira. Morei
muito tempo, cerca de uns 17
anos, em casa de tábua e mata-junta, que estalava no verão,
quando a madeira dilatava.
Das pessoas que moravam
em casa de alvenaria, nós dizíamos que moravam em casa de
"material". Na minha rua, a Paranaguá, entre as ruas Sergipe e
Tupi, se você caminhasse na direção da Tupi e depois a subisse, poderia ver os pés de resedá,
flores rosa-pálido, aquelas arvorezinhas que eram ao mesmo
tempo delicadas, esguias, esbeltas, femininas.
E seguindo na rua Tupi, cruzávamos a Santos, rua modernosa na época, asfaltada, perigosa -diziam as mães-, carros
em velocidade, acidentes! Repleta de fícus, com suas folhas
verde-escuro enérgicas, quase
nervosas. Folhas boas para acumular poeira, poeira vermelha,
que permeava toda a cidade.
A cor da terra em Londrina?
Sempre fiz confusão com isso.
Quando eu era pequeno, diziam terra roxa. E, para mim,
roxo era diferente daquela cor
que eu via no quintal de casa,
nos pneus dos carros, nos limpa-pés, aqueles nacos de terra
úmida, aquilo não era roxo, que
cor era aquela?
Depois me contaram que
usavam roxo por causa dos italianos, que se referiam à cor
vermelha da terra, "rossa", em
italiano. Mas para mim não era
vermelha também, não. Até hoje não sei qual é a cor dessa terra. É a "terra" apenas. Grudada
na memória, incrustada mesmo na gente, no ser.
Outro dia revi umas fotos da
antiga catedral, tão mais bonita
que a atual. Ali fiz a minha primeira comunhão e admirei
presépios. Escondido no meu
terno azul-marinho de calça
curta, presenciei o mistério do
mundo dos adultos, com suas
velas, seus véus, seus ternos, os
terços de madrepérola, como se
fossem arcanos esquecidos.
Saindo da catedral pela porta
principal temos, em frente ao
antigo fórum, onde meu pai
trabalhava, a biblioteca municipal. À esquerda, a praça Willie
Davids com seus flamboyants
delicadamente explosivos, maravilhosos! (Essa praça tem o
desenho da bandeira inglesa).
E, à direita, temos o bosque,
da já referida peroba, peroba-rosa. Será que ainda existe a peroba? Será que ainda é visível
em sua imponência?
Ao me perguntar isso, neste
momento, e estando completamente envolvido em recordações, temo estar fatigando o
mais paciente leitor, e encerro
este testemunho.
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