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PRIMAVERA NO NORDESTE
Ex-presidiário cumpre promessa de cuidar da fortaleza do séc. 17, que passa por restauração
Guardião abriga fé dentro do forte Orange
DO ENVIADO ESPECIAL A PERNAMBUCO
Em 1970, José Amaro de Souza
Filho, 20, condenado por homicídio, foi cumprir pena na penitenciária agrícola da ilha de Itamaracá, a 50 km de Recife. Passados alguns anos, foi um dos 40 presos
requisitados pelo Exército para
limpar as ruínas do forte Orange.
Enquanto cortava o mato que
tomava conta das muralhas erguidas na ocupação holandesa do século 17, fez uma promessa: se conseguisse a liberdade, cuidaria do
lugar, morando ali com uma bala
de canhão amarrada na perna.
Na prisão, aprendeu a ler e a escrever e também a arte do entalhe.
Quando já havia cumprido metade da pena, obteve autorização
para morar no forte. Na noite de 6
de março de 1980, Zé Amaro entrou nas ruínas. Na capela abandonada dormiu, cheio de dúvidas: conseguiria executar a tarefa?
De madrugada, Zé Amaro, que
tinha passado um terço de sua vida vendo o sol nascer quadrado,
contemplou o alvorecer. Vendo a
imensa bola de fogo surgir no horizonte, acreditou que recebia um
sinal de aprovação da missão.
"Decidi que, quando tivesse um
filho, batizaria-o com o nome do
Sol", conta. "Consegui uma mulher que aceitasse viver comigo."
No forte não havia estrada de
acesso, luz elétrica ou banheiro.
Tiveram dois filhos: Sol e Marte.
Mas a mulher se suicidou e ele foi
acusado de tê-la matado.
Zé Amaro resolveu terminar de
cumprir a antiga promessa.
"Prendi uma bola de ferro de 12
kg na perna e a carreguei por 365
dias e 365 noites. E todo santo dia
rezei na capela." Livre da acusação, Zé Amaro levava a vida meditando, vendendo o seu artesanato e o de colegas de cárcere na
lojinha que montara. Mas a sua
principal ocupação era vigiar, capinar e consertar o forte.
Depois de 11 anos de luta solitária, foi à penitenciária e, com seis
detentos, formou uma comitiva
para ir a Brasília pedir recursos
para recuperar o forte. Da embaixada da Holanda voltou com a
promessa de um financiamento.
Com a ajuda de Gilsineli Sousa,
que largou o emprego no Sebrae e
lhe deu outro filho com nome de
estrela (Vega), criou a Fundação
para a Conservação do Forte
Orange. Hoje, com recursos do
governo holandês e da Philips do
Brasil e o apoio da Universidade
Federal de Pernambuco, estão
sendo feitas ali restaurações e escavações arqueológicas.
No local agora há luz elétrica e
banheiros. A loja de artesanato
funciona ao lado do pequeno museu. Com a rede armada sob uma
árvore, o guardião do forte Orange acende um cigarro e conta a
história de fé de um homem simples, que se dedicou à defesa do
patrimônio histórico.
(AG)
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