São Paulo, segunda-feira, 25 de novembro de 2002

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PRIMAVERA NO NORDESTE

Ex-presidiário cumpre promessa de cuidar da fortaleza do séc. 17, que passa por restauração

Guardião abriga fé dentro do forte Orange

DO ENVIADO ESPECIAL A PERNAMBUCO

Em 1970, José Amaro de Souza Filho, 20, condenado por homicídio, foi cumprir pena na penitenciária agrícola da ilha de Itamaracá, a 50 km de Recife. Passados alguns anos, foi um dos 40 presos requisitados pelo Exército para limpar as ruínas do forte Orange.
Enquanto cortava o mato que tomava conta das muralhas erguidas na ocupação holandesa do século 17, fez uma promessa: se conseguisse a liberdade, cuidaria do lugar, morando ali com uma bala de canhão amarrada na perna.
Na prisão, aprendeu a ler e a escrever e também a arte do entalhe. Quando já havia cumprido metade da pena, obteve autorização para morar no forte. Na noite de 6 de março de 1980, Zé Amaro entrou nas ruínas. Na capela abandonada dormiu, cheio de dúvidas: conseguiria executar a tarefa?
De madrugada, Zé Amaro, que tinha passado um terço de sua vida vendo o sol nascer quadrado, contemplou o alvorecer. Vendo a imensa bola de fogo surgir no horizonte, acreditou que recebia um sinal de aprovação da missão.
"Decidi que, quando tivesse um filho, batizaria-o com o nome do Sol", conta. "Consegui uma mulher que aceitasse viver comigo." No forte não havia estrada de acesso, luz elétrica ou banheiro. Tiveram dois filhos: Sol e Marte. Mas a mulher se suicidou e ele foi acusado de tê-la matado.
Zé Amaro resolveu terminar de cumprir a antiga promessa. "Prendi uma bola de ferro de 12 kg na perna e a carreguei por 365 dias e 365 noites. E todo santo dia rezei na capela." Livre da acusação, Zé Amaro levava a vida meditando, vendendo o seu artesanato e o de colegas de cárcere na lojinha que montara. Mas a sua principal ocupação era vigiar, capinar e consertar o forte.
Depois de 11 anos de luta solitária, foi à penitenciária e, com seis detentos, formou uma comitiva para ir a Brasília pedir recursos para recuperar o forte. Da embaixada da Holanda voltou com a promessa de um financiamento.
Com a ajuda de Gilsineli Sousa, que largou o emprego no Sebrae e lhe deu outro filho com nome de estrela (Vega), criou a Fundação para a Conservação do Forte Orange. Hoje, com recursos do governo holandês e da Philips do Brasil e o apoio da Universidade Federal de Pernambuco, estão sendo feitas ali restaurações e escavações arqueológicas.
No local agora há luz elétrica e banheiros. A loja de artesanato funciona ao lado do pequeno museu. Com a rede armada sob uma árvore, o guardião do forte Orange acende um cigarro e conta a história de fé de um homem simples, que se dedicou à defesa do patrimônio histórico. (AG)


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