São Paulo, segunda-feira, 25 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PRIMAVERA NO NORDESTE

Templo que o pai prometera à avó tem o tamanho de um campo de futebol e fica na oficina do artista

Brennand paga promessa de erguer igreja

DO ENVIADO ESPECIAL A PERNAMBUCO

Se Francisco Brennand não for o maior escultor brasileiro, com certeza é o que tem o maior ateliê. A antiga fábrica de telha criada pelo pai do artista, que ficou abandonada e quase em ruínas por mais de um quarto de século, foi transformada em ateliê, museu, projeto e fonte de inspiração.
Hoje, a Oficina Cerâmica Francisco Brennand (acesso pela av. Caxangá, tel. 0/xx/81/3271-2466, site www.brennand.com.br) abriga mais de 2.000 peças do artista. Possui um vasto jardim projetado por Burle Marx, loja com livros, cerâmicas, cartões-postais e serigrafias, além de lanchonete.
Agora o local terá uma catedral do tamanho de um campo de futebol, com 105 m de comprimento. "É uma antiga promessa de meu pai para a minha avó, que nunca foi paga. E eu, que também já estou com o pé na cova, vou tratar de fazer isso logo", diz Brennand, de 75 anos, passando a mão na barba alva e comprida.
"O povo gosta de apelidar as coisas. Templo, santuário, catedral. Uma catedral se faz em séculos, [essa" é apenas uma igreja da Imaculada Conceição. Uma igreja de verdade, onde se professará missas. A arte atrairá o povo. Hoje as igrejas católicas têm que fazer um samba do crioulo doido para colocar os fiéis para dentro."
O local onde Brennand faz suas esculturas, pinta, trabalha no projeto da catedral e escreve um manuscrito chamado "O Nome do Livro" fica encravado numa reserva preservada de mata atlântica, no bairro da Várzea, a 14 km do centro de Recife. Hoje é ponto de visitação obrigatória.
Nesse espaço repleto de deuses, demônios e filosofia, Brennand criou, recriou, recortou, "desconstruiu" as formas e a alma humanas através da cerâmica. Ele diz que deve parte disso ao forno. Em muitas de suas obras a participação do forno realmente fica evidente, num rachado, numa mancha ou num queimado.
"Não há dúvida de que ele [o forno" sempre transforma a peça em algo melhor do que era quando ainda estava crua. E nada é por acaso", diz o artista pernambucano, que não considera acaso a coincidência dos números nas datas de fundação e de reabertura da antiga fábrica de telhas.
O local foi criado pelo pai em 1917 e reaberto por Brennand em 1971 como Oficina Cerâmica Francisco Brennand. Ele, que se iniciou na arte ilustrando um jornalzinho de colégio com Ariano Suassuna, é o responsável pela transformação da antiga Casa de Detenção do Recife na atual Casa da Cultura. Quando foi chefe da Casa Civil no primeiro governo de Miguel Arraes, ele queria criar uma instituição similar às implantadas na França pelo escritor André Malraux, mas foi impedido pelo golpe militar de 1964.
Sua obra recebeu diversos prêmios, mas ele só faz questão de destacar o Prêmio Interamericano de Cultura Gabriela Mistral, concedido pela OEA (Organização dos Estados Americanos), em Washington, em 1993. O prêmio foi criado em 1983 pelo Conselho para a Educação, Ciência e Cultura da OEA como reconhecimento a trabalhos que têm ação contínua e alcançaram grande dimensão, enriquecendo a cultura da América. (ANTÔNIO GAUDÉRIO)


Texto Anterior: Centro protege peixe-boi em Itamaracá
Próximo Texto: Projeto cultural segue os passos dos judeus no Recife e arredores
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.