São Paulo, segunda, 27 de abril de 1998

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POESIA CONCRETA
Integrantes de bandas fundamentais dos anos 80 se reuniam para ouvir discos trazidos pelos pais diplomatas
Rock candango veio da falta do que fazer

MARCELO NEGROMONTE
free-lance para a Folha

Quando Oscar Niemeyer traçou as infinitas retas de Brasília, dificilmente supôs que aqueles vazios estariam preenchidos, principalmente nos anos 80, por "riffs" de guitarras, transformando a capital no maior celeiro de rock do país naquela década.
De lá, todos sabem, saíram Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Capital Inicial, Plebe Rude, Cássia Eller. Poucas cidades exportaram tantos nomes duradouros para São Paulo e Rio na mesma época. Talvez Porto Alegre.
Para o resto do país talvez parecesse estranho um bando de moleques fazendo música cheia de referências, que, até para paulistanos e cariocas, eram estranhas.
Como explicar o fato de a turma da Colina (área residencial destinada aos professores e funcionários da Universidade de Brasília), local onde se reuniam os futuros integrantes de bandas como Aborto Elétrico (a primeira de Renato Russo), Capital e Plebe Rude, tivessem um exemplar de "Never Mind the Bollocks", do Sex Pistols, já no final dos anos 70?
O isolamento de Brasília era apenas geográfico. Pais diplomatas traziam os últimos lançamentos do Reino Unido e Estados Unidos para seus filhos punks, que, até por falta de alternativa, juntavam os amigos para beber e fumar todo o dia e, de posse dos jornais ingleses "New Musical Express" e "Melody Maker", formavam uma banda. Bastava uma tomada.
Surgidas na mesma época, Escola de Escândalo, Finis Africae, Obina Shock, Detrito Federal são hoje bandas quase cult na cidade.
Depois eram todos dark, new wave, góticos. Adoravam Siouxsie and the Banshees, The Cure (antes de tocar em rádios) e Joy Division.
Reuniam-se no Gilbertinho (na QI 11 do Lago Sul) e eram o terror das festinhas que insistiam em tocar discothèque.
O chamado rock de Brasília veio à tona em meados da década passada (que, pelo menos lá, não foi de toda perdida) concomitantemente com o meteórico RPM.
Era a época de "Índios", do Legião; "Veraneio Vascaína", do Capital Inicial, e de "Nunca Fomos Tão Brasileiros", do Plebe Rude. A cidade suava rock.
Hoje o solo seco e árido de Brasília continua fértil na seara musical, produzindo não apenas rock'n'roll, mas reggae (como essa cidade adora reggae), hip hop e hardcore, alguns de qualidade.
O nome de maior visibilidade nos anos 90 é Raimundos, mas bandas como Maskavo Roots, Câmbio Negro, Little Quail and the Mad Birds, Low Dream, Bootnafat, Nativus (sucesso local absoluto em 97) e tantas outras completam o cenário musical brasiliense atual.
Hoje quem dita as regras para a "juventude dourada" é majoritariamente o pagode e o axé. A cena tecno está surgindo forte, sinal de que os diplomatas foram substituídos pelas TVs pagas e Internet.



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