Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ÁFRICA
"Ortografia comum beneficia todos"
Acordo é especialmente importante para países africanos, diz o autor angolano José Eduardo Agualusa
MARINA DELLA VALLE
DA REPORTAGEM LOCAL
O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, em vigor no
Brasil desde o último dia 1º, encontrou no escritor angolano
José Eduardo Agualusa, 48, um
defensor de peso. Para o autor,
uma ortografia comum beneficia todos os países lusófonos,
mas é especialmente importante para os países africanos,
que produzem menos livros.
Em texto no semanário "A
Capital", de Luanda, em setembro do ano passado, Agualusa
afirmou que Angola deveria seguir a ortografia brasileira caso
o acordo emperrasse "por resistência de Portugal". Angola
está entre os países que ainda
não validaram o Acordo.
Nascido em Angola, de família portuguesa e brasileira,
Agualusa costuma se definir
como afro-luso-brasileiro.
Com vários livros lançados no
Brasil, é sócio da editora carioca Língua Geral (www.línguageral.com.br), especializada
em autores lusófonos. Leia
abaixo trechos da entrevista
que Agualusa concedeu à
Folha, por e-mail, na última
segunda-feira.
FOLHA - Como o sr. avalia o intercâmbio cultural entre o Brasil e os
países africanos de língua portuguesa atualmente? Como o sucesso de
escritores como o sr. e Mia Couto no
Brasil mudou essa troca?
JOSÉ EDUARDO AGUALUSA - Creio
que muita coisa mudou nos últimos anos, em particular após
o final da guerra em Angola, e o
consequente incremento das
trocas comerciais entre o Brasil
e o meu país. Angola é hoje um
território em rápido crescimento, um mercado ávido de
que o Brasil necessita.
A presença de um número
cada vez maior de brasileiros
em Angola vem contribuindo
também para um maior intercâmbio cultural. Acontece ainda que o Brasil vem assistindo a
um crescimento da sua classe
média de origem africana, interessada em refazer os laços
com África. Tudo isso junto
ajuda a explicar o interesse dos
leitores brasileiros por autores
africanos.
FOLHA - Como está a questão do
Acordo Ortográfico em Angola?
AGUALUSA - À espera. O Parlamento deve discutir o assunto
brevemente. Angola seguirá os
restantes países. Não pode ficar
isolada.
FOLHA- Como o sr. avalia o acordo
e sua necessidade de implantação?
AGUALUSA - Positivamente.
Acho que a existência de uma
ortografia comum beneficia toda a gente, em todos os territórios onde se fala a nossa língua,
e em particular na África, porque nós produzimos muito
poucos livros. Temos de os importar de Portugal e do Brasil, e
a existência de duas ortografias
confunde os leitores, sobretudo
aquela vasta maioria que está
agora a ser alfabetizada.
FOLHA - O escritor moçambicano
Mia Couto afirmou que o Acordo Ortográfico "não é necessário". Como
o sr. vê essa afirmação?
AGUALUSA - Não concordo com
o Mia pela razões já apontadas.
Mas nunca conversamos sobre
isso. Temos coisas muito mais
interessantes para conversar.
FOLHA - O sr. afirmou anteriormente que Angola deveria seguir a
grafia brasileira do português caso
Portugal atrasasse o Acordo. Poderia nos explicar os motivos?
AGUALUSA - Porque o Brasil
produz muitíssimo mais títulos
do que Portugal e, em certas
áreas científicas, títulos que
nos interessam mais: agricultura e medicina tropical etc.
FOLHA - Em sua opinião, como os
países lusófonos podem estreitar
seus laços culturais? Há a possibilidade de uma maior identidade entre eles?
AGUALUSA - O estreitamento de
laços culturais não significa
uma rendição identitária, pelo
contrário. Espero que os nossos países continuem a produzir formas específicas de cultura, à medida que aumenta o conhecimento mútuo. E que surjam expressões culturais novas
a partir dessa troca.
FOLHA - Como o sr. vê a questão da
presença da influência de nossa herança africana na literatura brasileira atualmente?
AGUALUSA - Acho que existe um
interesse crescente. Os brasileiros têm consciência de que é
importante reatar a ligação
com África. Refazer os laços. O
Brasil é em larga medida um
país de matriz africana.
FOLHA - Ainda em relação à pergunta anterior, há como traçar paralelos com a literatura angolana?
AGUALUSA - A literatura angolana foi desde sempre muito influenciada pela literatura brasileira. Jorge Amado marcou
muito autores, como Pepetela.
Guimarães Rosa explica Luandino Vieira. Autores mais jovens, como eu próprio ou o
João Melo, fomos influenciados pelo Rubem Fonseca.
FOLHA - O sr. conhece profundamente tanto Angola como o Brasil.
Como o sr. vê a relação cultural entre os dois países? Ela pode ser melhorada?
AGUALUSA - Pode, claro, ainda
há muito trabalho a fazer. Mas
também já há muito trabalho
feito. No campo da música começam a acontecer parcerias
muito interessantes. Acho que
isso vai aumentar, muitos músicos brasileiros terão curiosidade em pesquisar em Angola,
nas zonas rurais, a fonte de alguns dos ritmos principais do
país, e os angolanos poderão se
beneficiar do conhecimento
dos brasileiros.
FOLHA - Quais autores de língua
portuguesa deveriam ser mais conhecidos no Brasil?
AGUALUSA - António Lobo Antunes, Rui Duarte de Carvalho
e Luandino Vieira.
FOLHA - O sr. é conhecido por viajar
bastante e viver entre Portugal, Angola e Brasil. Qual a importância das
viagens em seu processo de criação?
AGUALUSA - Eu sou o resultado
de todas essas viagens.
FOLHA - Mudando para o turismo,
quais atrações em Angola o sr. indicaria para os turistas brasileiros passeando pelo país?
AGUALUSA - Angola tem paisagens lindíssimas quase inexploradas. Lembro-me de ter lido um artigo do Fred d'Orey,
um nome grande do surfe brasileiro, sobre uma pequena
praia do sul de Angola onde
acontecem algumas das melhores ondas do planeta. Eu gosto
muito das paisagens do sul, da
transição entre a savana e o deserto.
FOLHA - E quais experiências de
viagem o sr. indicaria?
AGUALUSA - Subir o rio Kuanza
em canoa. Procurar a famosa
palanca-negra no parque nacional da Quissama. Assistir ao
pôr-do-sol na praia Morena,
em Benguela. Namorar uma
angolana/um angolano.
Texto Anterior: África: Em Benguela, prédios vazios são como registro histórico Próximo Texto: Editora é dedicada ao português Índice
|