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FERNANDO GABEIRA
A França que amamos e o francês chamado Le Pen
Passei um domingo colado
à televisão francesa, perplexo
com o que estava vendo: a ascensão de Jean Marie Le Pen ao segundo turno das eleições presidenciais. Na manhã seguinte,
constatei que outras pessoas fizeram o mesmo. Temos algumas
coisas em comum: somos amigos
da França, todos angustiados em
ver o país do asilo condenado a
escolher entre a direita e a extrema-direita, esta tantas vezes acusada, com razão, de racismo contra os imigrantes e também contra os judeus.
Le Pen foi processado cinco vezes por racismo. Numa delas, afirmou que o Holocausto era um
episódio sem significado histórico. É um homem perigoso, que coloca em xeque o grande flanco da
democracia, isto é, permitir que
os inimigos cresçam no seu bojo.
De madrugada, com tantas explicações, era possível entender o
que passou. O erro não foi apenas
da esquerda, que marchou fragmentada. Foi também dos institutos de pesquisa, da mídia que
considera a eleição chata.
Isso ajudou a deixar em casa os
200 mil votos que faltaram aos socialistas. O índice de abstenção
entre os jovens foi de 40%. No
meio das férias da primavera, os
mais velhos que ficaram em suas
cidades votaram nas eleições presidenciais.
A bandeira antiimigrantista de
Le Pen, com retoques de anti-semitismo, acaba nos colocando
diante do grande tema moderno:
as migrações globais, dinamizadas pelo declínio colonial e o fim
da Segunda Guerra Mundial.
Outro dia, junto com Carlos
Vainer e Neide Patarra, dois estudiosos do assunto, tivemos a
oportunidade de debatê-lo diante
de alunos de um curso do IBGE. A
parte que me tocava eram os direitos humanos aplicados ao tema das migrações.
Sempre que há grandes migrações, costuma haver por trás delas
gigantescas violações dos direitos
humanos. E, quando você deixa
um lugar porque violaram seus
direitos humanos, quase sempre
você encontra um novo lugar onde de novo os direitos humanos
serão violados. É a dupla vitimização, que está sempre em jogo
nesses milhões de destinos.
O que doeu nas eleições francesas foi também pensar nos milhões de imigrantes, brasileiros
inclusive, e sentir com eles que
uma idéia vital como a dos direitos humanos pudesse ser posta em
perigo ali, onde tanto se formulou
sobre eles, onde pareciam ser um
princípio inabalável.
O curioso é que Le Pen se coloca
contra a globalização. Talvez
acredite que seja possível não somente deter o processo, mas também mandar todos de novo para
suas casas, como se existisse volta
para milhões de vidas deslocadas
pelo avanço implacável do capitalismo.
Quando houve o 11 de setembro,
todos perguntavam: "Como foi
possível?". As eleições francesas
são esse tipo de acontecimento,
que merece longas reflexões sobre
sua causa.
O tema da segurança, inflacionado pela direita, estava na cabeça de 58% dos eleitores. Junto dele
também está o medo dos jovens
do subúrbio, que, apesar dos 2 milhões de novos empregos abertos
por Jospin, ainda não encontram
horizontes na sociedade francesa.
E também há a questão das culturas, da intolerância, a mesma semente que envenena o Oriente
Médio e que produziu o 11 de setembro.
A previsão é de que Chirac ganhe e a esquerda tenha uma boa
performance nas eleições legislativas. Nada disso apagará o sinal
amarelo aceso com a vitória de Le
Pen. Na verdade, um alerta válido para todos nós, aqui nos trópicos. Pensou bem meu amigo
Adauto Novais, planejando um
encontro internacional sobre civilizações no Brasil. Um dos valores
brasileiros é a tolerância entre diferentes culturas. Precisamos fundamentá-la teoricamente.
Temos o hábito de dizer que o
Brasil é um país tolerante porque
se abriu a gente vinda de todos os
lados do mundo. A questão é que
os outros grandes países capitalistas também são hoje sociedades
multiculturais. Aqui árabes e judeus se manifestam juntos pela
paz e vivem harmoniosamente.
A ascensão de Le Pen ao segundo turno questiona um desses valores nacionais que gostaríamos
de universalizar. Isso responde à
pergunta: o que temos a ver com
uma eleição deserdada pelos próprios jovens do país?
Assim, a presença de 300 mil
palestinos no Brasil questiona
nossa relativa quietude diante do
massacre de Jenin.
O Brasil está no mundo, o mundo está no Brasil, um mundo dolorido que promete riqueza para
todos, mas que nos últimos tempos tem oferecido tragédias concretas, como a de Jenin, e também
morais, como o primeiro turno na
França.
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