São Paulo, segunda, 29 de junho de 1998

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VENTO NOVO
Embaixador brasileiro elogia a concessão do título de doutor "honoris causa" a d. Carlos Ximenes Belo
Évora homenageia bispo timorense

France Presse - 24.jun.98
Em Jacarta, o bispo timorense Ximenes Belo, Prêmio Nobel da Paz de 96, antes de reunião de 90 minutos com o presidente Jusuf Habibie


DARIO MOREIRA DE CASTRO ALVES
especial para a Folha

Évora é uma cidade especial. Como Florença, na Itália; Toledo, na Espanha; York, na Inglaterra; e Ouro Preto, no Brasil, a cidade portuguesa -que rendeu homenagem ao bispo timorense d. Carlos Belo- é um monumento.
Bem se pode dizer que há fraternidade especial com relação a York, cujo nome romano, Eboracum, evoca a Ebora romana, que veio a ser Évora, no Alentejo.
Tudo lá ressumbra arte, cultura, história. É um relicário da nação portuguesa, por seus museus, edifícios, catedral, igrejas e tesouros.
Um desses monumentos é a Sala de Atos da antiga Universidade de Évora, criada pelo cardeal -d. rei Henrique, primeiro arcebispo da cidade, que a entregou à direção dos jesuítas, com o título de Universidade do Espírito Santo.
De 1559 ao século 18, quando foi extinta em Portugal a presença jesuítica, Évora foi um importante foco irradiador da cultura acadêmica ao sul de Portugal, contrapondo-se ao centro cultural, que tem sede em Coimbra.
Em 1973 foi recriada, no histórico local, a nova Universidade de Évora, que deita raízes em gloriosas tradições. E a Sala de Atos é sua esplêndida sala de visitas, ponto de encontro sociocultural de primeira grandeza.
Ximenes Belo
Foi com esse cenário como plano de fundo que se realizou a cerimônia solene de entrega do título de doutor "honoris causa" a d. Carlos Ximenes Belo, bispo na capital do Timor Leste.
Participaram do ato Maria José Rita, primeira-dama de Portugal, Maria Barroso Soares, mulher de Mário Soares (ex-presidente de Portugal) e presidenta da Cruz Vermelha Portuguesa, Leonor Oliveira, embaixatriz, Jorge Araújo, reitor da Universidade de Évora, professores, autoridades, uma numerosa assistência e, como convidado especial, José Aparecido de Oliveira, embaixador do Brasil em Lisboa de 1993 a 1995, um paladino da lusofonia e o paraninfo do doutoramento de d. Carlos Ximenes Belo.
Coube a Aparecido proferir a alocução acadêmica da recepção ao prelado timorense -a tradicional "laudatio".
O gesto foi entendido como altamente simbólico, por envolver uma figura pública do maior país de língua portuguesa que se tem notabilizado pela dedicação à causa da afirmação e defesa de nosso idioma e pelo apoio à autodeterminação do povo de Timor, para que a nação maubere possa escolher seu destino na liberdade e na democracia, livrando-se da dependência da Indonésia.
Ressaltou Aparecido a condição de salesiano de Ximenes Belo, que o irmana de modo especial, pois foi aluno do colégio Dom Bosco, tendo conhecido pessoalmente o saudoso Egídio Viganó, sétimo sucessor de Bosco como superior da família salesiana no mundo.
O paraninfo ainda sublinhou o papel relevante de Ximenes Belo como figura universal na liderança do martirizado povo timorense na sua resistência à opressão indonésia.


Dario Moreira de Castro Alves é embaixador brasileiro aposentado, residente em Lisboa, presidente do Conselho de Curadores da Fundação Luso-Brasileira para o Desenvolvimento do Mundo de Língua Portuguesa.

D. Carlos Ximenes Belo é uma figura de valor mundial e por isso recebeu o prêmio Nobel da Paz em Oslo, juntamente com o diplomata José Ramos-Horta.
As palavras de Ximenes Belo, por ocasião da entrega dessa grande láurea, em 1996, foram evocadas pelo embaixador José Aparecido de Oliveira.
Assim, em sua "laudatio", o embaixador lembrou as palavras do monsenhor, no ponto alto de sua definição de humanista: "o homem é um ser feito para a liberdade que só se realiza quando tem condições de assumir a responsabilidade por suas ações. A opressão, a arrogância e a arbitrariedade constituem a negação da dignidade humana".
Evocando Évora
Repassando aspectos relevantes do passado de Évora para a história de Portugal e para nossa cultura comum, Aparecido assinalou grandes fastos da Sé da senhoria eclesiástica do Alentejo, cuja porta é feita com madeira brasileira. Também do Brasil (do Estado de Minas Gerais) veio o ouro com que foram adornadas, no século 18, imagens veneradas em seus altares e relicários.
A figura de Ximenes Belo se inscreve na linhagem dos protomártires do Oriente, de que é patrono são Francisco Xavier, a quem tanto deve a propagação da fé cristã e da língua dos povos ibéricos. Historiou o embaixador o papel da ONU na definição dos direitos do povo timorense em resoluções de vigência internacional, salvo para a Indonésia.
A posição brasileira
O Ministério das Relações Exteriores, dentro da orientação presidencial, colocou o prestígio da casa de Rio Branco na firme execução da política brasileira para Timor como expressão de apoio a decisões da comunidade internacional, representada na ONU.
A ação em favor da liberdade do povo timorense empreendida por Xanana Gusmão, da Frente Timorense de Libertação, por meio de sua proposta de plebiscito, em 92, motivou sua prisão na Indonésia.
Os recentes acontecimentos ampliam as esperanças de libertação. Também fez menção às mensagens de ex-presidentes brasileiros à universidade, por motivo do reconhecimento conferido a d. Carlos Ximenes Belo. ( DMCA)

Além de mencionar nominalmente os ex-presidentes Itamar Franco e José Sarney, o orador também citou Fernando Henrique Cardoso.
Em sua mensagem ao frei João Xerri, do Grupo Solidário São Domingos, que trabalha em prol dos timorenses, declarou o presidente brasileiro: "Por meu passado político e por convicção ética, não posso deixar de ter sempre solidariedade em relação aos povos que são vítimas de violações dos direitos humanos e que estejam privados da liberdade".
A oração do embaixador José Aparecido de Oliveira na Universidade de Évora pôs em relevo toda uma teia de conceitos e afirmações sobre o valor da cultura luso-brasileira, o papel da língua falada por um povo como elemento básico para a formação da nacionalidade, os princípios do humanismo, a lusofonia, que essas linhas não podem resumir em toda sua expressão e significado.

Manifestação notável
Mas fique o juízo de que a cidade de Évora, capital do Alentejo, assistiu a uma notável manifestação.
O embaixador José Aparecido de Oliveira, paraninfo do doutoramento de d. Carlos Ximenes Belo, é um brasileiro que tem no coração o sentimento de profundo amor e devoção à causa do humanismo, da liberdade, da auto-determinação dos povos, da cultura lusófona, posto em evidência numa grande ocasião e em magnífico cenário. ( DARIO MOREIRA DE CASTRO ALVES)



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