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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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Autores de novela discutem a repetição de temas, situações e perfis de personagens

Vela e pena ver de novo?

Fotos TV Globo
ELAS COM ELAS Enquanto Clara (Aline Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli) estão descobrindo sua sexualidade, num relacionamento de muito afeto e dubiedade, algumas moças, mesmo em tempo de repressão e forte preconceito mostraram que só eram felizes juntas. Foi assim com Laís (Cristina Prochaska) e Cecília (Lala Deheinzelin), em Vale Tudo (1988), e Rafaela (Christiane Torloni) e Leila (Silvia Pfeifer), em Torre de Babel (1998). Nos dois casos, os autores julgaram conveniente que uma das parceiras morresse durante a trama para calar o falatório da opinião pública.

SIMONE MAGALHÃES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

DIFÍCIL não bater aquela sensação de "déja vu" ao sintonizar uma novela e dar de cara com cenas de amores mal-resolvidos do passado que se transformaram em ódio, cinquentonas namorando garotões, relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo e outros clichês. "Acredito que o público goste de uma história bem contada. Se consigo isso, ótimo. Não existe fórmula", afirma Manoel Carlos, 70, autor de "Mulheres Apaixonadas" (Globo, 20h55), que agora parece estar engrenando na audiência -já atinge 45 pontos (cada ponto equivale a 48,5 mil domicílios na Grande SP). O novelista conta de onde vêm suas histórias: "A do padre [que se apaixona", eu conheci pessoas que viveram esse amor proibido. A da filha do porteiro que tem vergonha do pai, me foi contada pela professora do meu filho. Compro jornais de vários Estados e de cidades do interior de São Paulo e recorto tudo o que me interessa". Para o autor de "O Beijo do Vampiro" (19h), Antonio Calmon, é preciso mexer nas velhas receitas. "Claro que existem fórmulas e estratégias. Acho que você tem que servir sempre o mesmo prato, senão desaponta os telespectadores, mas com um tempero diferente, para não acharem a novela realmente repetitiva." Calmon diz que esse tipo de crítica parte de uma elite cultural. "São pessoas a quem as novelas não são destinadas, consumidoras de produtos mais sofisticados, como filmes, canais a cabo ou DVDs, e que têm uma visão político-totalitária da cultura", afirma. Ricardo Linhares, que assina "Agora É Que São Elas" (18h10), observa que cada vez que um autor usa uma trama recorrente, a aborda com os olhos de hoje. Ele exemplifica com o velho "golpe da barriga", que a bailarina Pâmela (Karina Bacchi) vai aplicar no ricaço Vitório (Paulo Vilhena) na sua novela. "São as histórias do cotidiano com novas roupagens." Só que essa releitura esbarra, muitas vezes, num obstáculo, segundo Linhares. "O que deu certo numa época pode não dar em outra. Depende do público. É a partir da reação dele que o autor vai enfatizar ou não um assunto."

Cobranças
Para Silvio de Abreu, cuja última trama produzida foi "As Filhas da Mãe" (2001/ 2002), a questão tem outro componente: a urgência para que a novela emplaque. "A maioria dos noveleiros leva um tempo para se acostumar às novidades, e, do jeito que a concorrência entre as redes se acelerou, nenhuma emissora se arrisca a esperar." Glória Perez recorda que um de seus maiores sucessos, "Barriga de Aluguel" (90/91), nada mais era do que um megaclichê da dramaturgia: duas mães que disputam um filho. "Mas, quando fiz com que as rivais fossem uma mãe-de-aluguel e uma mãe biológica, o velho conflito vestiu roupa nova", observa a autora de "O Clone" (2001/2002), o maior sucesso de público da Globo desde que o Ibope adotou seus atuais critérios de medição de audiência (veja quadro). Glória acrescenta: "Eu não corro atrás do inédito. Sou antenada com o mundo à minha volta. Escrevo sobre coisas que estou vendo acontecerem". Ana Maria Moretzsohn, autora de "Sabor da Paixão", concorda. "A situação de amar um inimigo é normalmente ligada a "Romeu e Julieta", mas há muitas histórias que têm a mesma situação dramática e nem por isso são parecidas", diz. Gilberto Braga também não vê problema. "Se você beijou alguém bonito uma vez, não há motivo para não beijar a segunda e a terceira, há?", compara o autor de "Celebridades", a próxima das oito. Carlos Lombardi, autor de "Kubanacan", que estréia no próximo dia 21, às 19h, brinca: "Se a história tiver algum tema inédito, pode me processar".

Teóricos
Para Renata Pallottini, escritora e orientadora de mestrado e doutorado da Escola de Comunicações e Artes da USP, certas fórmulas estão desgastadas, e o público está se cansando. "Mas a novela ainda tem vida longa."
Mauro Alencar, doutorando em telenovelas da USP, acha que, com a exibição de mais de 500 novelas diárias, há 40 anos, fica difícil para os autores descobrir temas novos. "O público se ressente da falta de mudanças geográficas nas locações e da utilização da literatura nos textos. Aqui deveria haver escolas para formar autores, como no México", diz.
O diretor da Central Globo de Comunicação, Luis Erlanger, crê que a distinção da teledramaturgia da emissora "é o toque de realidade" que aumenta o vínculo do telespectador com a novela. "Os sentimentos são os mesmos. Diferente é a forma de tratá-los. Não há fórmula: depende da empatia com o público."


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