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CAMPO MINADO
Jornalistas esportivos da TV sofrem com a truculência dos torcedores; por causa disso, Luciano do Valle abandona a narração de futebol após Sydney
Locutores narram a violência das torcidas
Reprodução
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Faixa manda Galvão Bueno 'pentear macaco' em jogo da seleção contra o Uruguai, em 99 |
ERIKA SALLUM
DA REPORTAGEM LOCAL
A VIOLÊNCIA nos campos de futebol acaba de provocar a primeira
baixa no meio televisivo. Na semana passada, Luciano do Valle, 53, um dos mais
conhecidos narradores esportivos do
Brasil, declarou que, após a Olimpíada de
Sydney, abandona de vez o trabalho nos
estádios. Motivo: a hostilidade das torcidas em relação à imprensa esportiva.
Há tempos Valle já estudava essa decisão, quando, em maio, veio a gota d'água. Em um jogo Corinthians x Atlético-MG, em Belo Horizonte, torcedores cercaram e ameaçaram o locutor após a partida. Pior: quase viraram seu carro, onde
estava apenas sua mulher. "Tenho muita
mágoa com o futebol. Nós, jornalistas esportivos, somos escorraçados nos campos. É uma coisa de bárbaros. Para mim,
chega. Após Sydney, só faço partidas locais", diz, que vive em Recife.
Luciano do Valle é apenas a ponta de
um iceberg delicado e polêmico. Hoje,
cobrir um jogo de futebol se tornou uma
verdadeira aventura, da qual não escapa
ninguém. No ano passado, por exemplo,
Galvão Bueno, da Globo, teve de narrar
alguns jogos da Libertadores com escolta
policial, após a Mancha Alviverde ter distribuído à torcida palmeirense cerca de
50 mil cópias de um manifesto contra ele,
acusando-o de ser um "Gavião Bueno",
em alusão à corintiana Gaviões da Fiel.
Reservado, Galvão -eleito o pior narrador esportivo, com 47,6% dos votos,
em uma pesquisa publicada na edição de
agosto da revista "Placar"- evita comentar o assunto e, sobre o incidente
com a Mancha, apenas diz: "O futebol é
paixão e, como paixão, está sujeito a todo
tipo de excesso. A parte da torcida que
agride, que tenta esses ataques, é ínfima.
Na minha opinião, esse problema é até
fácil de resolver: basta as autoridades esportivas evitarem qualquer tipo de contato entre nós e os torcedores tanto na
saída como na entrada dos estádios".
Um dos mentores desse tipo de manifesto -que recentemente teve como alvo Milton Neves, da Bandeirantes, após
ele ter dito em um jogo que o "Palmeiras
está morto"-, Paulo Serdan, 33, líder da
Mancha, afirma que toda essa hostilidade só existe porque "esses caras muitas
vezes se esquecem que estão ali para narrar e começam a torcer mesmo".
"A imprensa se acha no direito de criticar, cobrar todos, mas alguém tem de cobrar dela também, dar o troco." E panfletos como os contra Galvão Bueno não incitam a violência nos estádios? "Entrar e
sair dos estádios é um problema desses
narradores, não nosso. Eles têm de arcar
com o que dizem", afirma Serdan.
Para evitar alguma "tragédia", o comentarista esportivo Chico Lang, 46, corintiano assumido, não vai mais a estádios desde 1993 e chegou a ser aconselhado pela própria Polícia Militar a ver os jogos em casa. Conhecido por suas opiniões polêmicas, Lang já recebeu ameaças de morte por cartas, escritas por alguém que se dizia "um investigador de
polícia palmeirense". "Ele escrevia que
iria me matar pelas costas, porque não
atirava em corintiano de frente."
Nem mesmo os corintianos poupam
Lang. Certa vez, no Morumbi, torcedores
armados da Gaviões da Fiel o cercaram
no estacionamento. "Sabe quem me salvou? O Raul Gil, que estava lá por acaso e
conseguiu apaziguar os ânimos."
Companheiro de Lang no programa
"Mesa-Redonda", da TV Gazeta, o palmeirense Roberto Avallone já passou
poucas e boas em estádios, inclusive na
companhia de seu filho. "Foi em 1997.
Estávamos nas cativas quando um grupo
veio em cima da gente. Até meu filho entrou na briga e esmurrou um dos caras.
Mas aprendi a lição e hoje não ligo para
as provocações e só vejo jogo em casa."
Com 46 anos de carreira, Silvio Luis,
66, é outro que sofre com a fúria das torcidas e, como medida preventiva, não vai
mais ao Parque Antarctica. "Teve uma final de Copa do Brasil que o Palmeiras
perdeu que eu só consegui sair do estádio
com o Batalhão de Choque da PM. Depois disso, pedi a Deus para nunca mais
trabalhar lá", diz Silvio.
Para ele, a hostilidade contra os narradores esportivos aumentou muito nos
últimos anos, principalmente por dois
motivos: o crescimento da violência urbana, que é refletida nos estádios, e o
maior uso da tecnologia na cobertura
dos jogos. "Hoje você tem muito mais
câmeras que registram os lances. Ou seja,
é mais fácil você ser contestado, e é preciso reconhecer que os narradores erram.
Isso deixa as torcidas furiosas. Elas não
entendem que você está lá a trabalho."
Hostilizar os narradores de TV não é
privilégio apenas das grandes cidades.
Certa vez, em Campinas, em um jogo da
Ponte Preta contra o São Paulo, o locutor
Oliveira Andrade, 50, percebeu que um
torcedor próximo à cabine de imprensa
começou a xingá-lo. "Chamei a segurança, mas, quando faltavam uns 15 segundos para acabar a partida, o cara levantou e jogou um copo de cerveja na minha
cara, enquanto eu narrava o jogo ao vivo.
Fiquei tão irritado que larguei o microfone e corri atrás dele", conta.
Há 15 anos trabalhando com esporte,
Andrade já perdeu as contas de quantas
vezes viveu situações de risco. "Já cheguei a ser cercado, eu e o Falcão, em Curitiba. Os torcedores avançaram em cima
da gente. É horrível, você fica acuado,
mas é o preço que se paga por não termos proteção nos estádios."
Segundo Chico Lang, a solução mais
segura é "andar esperto": "Fico sempre
ligado em quem se aproxima. Se não fizer isso, a gente morre. Que triste, né?".
Colaborou Fábio Seixas, enviado especial
à Alemanha
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