São Paulo, domingo, 08 de julho de 2001

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CRÍTICA

FG não é FHC

LUIZ CAVERSAN

A CENA até que era fraca: pouco mais que uma dúzia de manifestantes carregando faixas, punhos cerrados, expressões de indignação. O que chamou a atenção mesmo foram os gritos, a palavra de ordem: "Abaixo FHC! Abaixo FHC!".
Abaixo FHC?
Ainda que distraído com a leitura de um jornal, sabia que o aparelho estava sintonizado na Globo, e, logo, soou estranha toda aquela explicitude antigovernista.
Mas a confusão mental durou apenas alguns segundos e se desfez com o surgimento dos rostos de atores conhecidos, como Paloma Duarte e Kadu Moliterno.
Não, não era o "Jornal Nacional" num arroubo de pluralismo democrático, dando voz e vida aos descontentes, àqueles que são contra, ou do contra.
Tratava-se da novela que havia começado e os gritos eram, na verdade, "Abaixo FG! Abaixo FG".
FG é Félix Guerreiro, o prefeito mau-caráter, corrupto e sacana de "Porto dos Milagres", cidade fictícia que dá nome à principal trama global atualmente no ar.
Em seguida à cena da passeata, o personagem, vivido por Antônio Fagundes, demonstra toda a sua malignidade: tenta um truque, socorrendo uma moça adoentada, tem um ataque de raiva e promete esmigalhar seu principal desafeto. Segue adiante em sua performance de político bandido, manipulando manifestantes, enganando jornalistas, apoiado pelo um filho bobão, pela mulher interesseira e pelo capanga violento.
Ou seja, pondo em prática na ficção aquilo que ocorre com uma frequência revoltante na política nacional.
Não deixa de ser didático: a telenovela cumprindo um papel precípuo do jornalismo, obviamente no terreno da fantasia, mas demonstrando como é que se dá o jogo do poder no mundo da política mesquinha e rastaquera.
Aliás, esse tem sido um dos raros predicados nessa novela das oito: mostrar o mundo da política real via personagens fictícios. Pouco tempo atrás, em plena temporada de cassação de senadores, Lima Duarte viveu um parlamentar pilantra que acabou se dando muito mal nas mãos do escroque Guerreiro.
No mais, a novela, na qual outra vez impera aquele insuportável sotaque pseudobaiano, vai bem pouco além do drama da mocinha loira e rica que se apaixona pelo pescador moreno e pobre. Originalíssimo, não?

Desde que o TV Folha publicou uma reportagem apontando alguns erros no concurso televisivo "Show do Milhão", tenho ouvido as mais variadas manifestações a respeito do programa, Ora é alguém dizendo que também detectou um erro, ora é um colega comentando uma pergunta que foi levada ao ar. O fato é que o programa de Silvio Santos mobiliza as pessoas, atrai a atenção de gente das mais variadas camadas sociais, tendências políticas, sociológicas ou estilísticas.
Religiosas também: para esclarecer uma dúvida relativa a uma pergunta de cunho eclesiástico, o repórter do caderno recorreu às autoridades da Igreja no Brasil. Não teve problemas, porque o bispo que o atendeu era telespectador do programa.
Ou seja, um almanaque de cultura inútil ("Qual a cor do topázio?") é capaz de conseguir a façanha de liderar a audiência da segunda rede de TV do país. Menos mau. Poderia ser mais uma reprise de "Rambo" ou uma hora a mais de "Programa do Ratinho", com suas aberrações. Preferível acompanhar alguém respondendo que lusitano se refere a alguma coisa de Portugal, ainda que, no programa, o nome do país tenha sido grafado Portugual...
Por isso creio que o SBT deveria se levar mais a sério, o programa poderia ser mais bem cuidado, e não simplesmente sustentar as respostas das perguntas que vão ao ar em uma enciclopédia, que, como já foi demonstrado, traz erros ou permite interpretações diversas.
Ou, quem sabe, é justamente no fato de conter incorreções, estimular a polêmica que se encontra a fórmula do sucesso?

Por falar em sucesso: não há quem não fique enternecido com o comercial da rede de lanchonetes McDonald's, em que o personagem é um bebezinho sobrancelhudo, ruivo e com carinha de filho do Russel Crowe.
Tecnicamente, o comercial é de uma simplicidade só: a câmera não abandona o rosto do garoto, captando suas expressões em sintonia com a locução de fundo. A marca do produto anunciado praticamente não aparece, surge em relances. Mas chega lá, ou seja, você fica sabendo do que se trata.
Exploração comercial da imagem infantil? Que seja. Pelo menos temos aqui uma demonstração de que é possível exercitar o bom gosto na TV comercial. Em tempo: o garotinho tem oito meses de idade e a agência que produziu o anúncio é a Taterka.


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