ESPECIAL PARA A FOLHA

"Consciência é uma maldição terrível. Eu penso, eu sinto, eu sofro", diz o protagonista de "Quero Ser John Malkovich", um titereiro idealista (John Cusack), ao chimpanzé de sua mulher (uma irreconhecível Cameron Diaz). Logo, porém, ele estará deixando suas sacadas cartesianas de lado e, com elas os escrúpulos, para se tornar um outro, reportando ao velho canto de Rimbaud: "Eu é outro".
A pedido da mulher, o titereiro se emprega como arquivista numa firma que se situa entre o sétimo e o oitavo andar (é o sétimo andar e meio) de um edifício comercial. Lá, atrás das estantes de arquivos, ele encontra uma passagem, ora veja, para o cérebro do ator John Malkovich. Eis um argumento curioso que poderia escapar ao nonsense fácil e cada vez mais temerário pelo qual se envereda esse filme de Spike Jonze. Mas da "fossa metafísica" (o tal "portal Malkovich") em que se meteu, o roteirista Charles Kaufman só conseguiu sair com algumas respostas superficiais e um tanto evasivas. Não se trata, como poderia sugerir o argumento, de um filme descentrado e polifônico, mas apenas de uma brincadeira sem nexo em torno da manipulação. Aqui, o "devir Malkovich" logo se torna um jogo de frustrados e insatisfeitos, uma válvula de escape para os brochados da América. Todos farão fila para viver seus 15 minutos de fama na cabeça de Malkovich. A idéia é: seja "beautiful people" você também. Breve, até mesmo nosso casal de protagonistas deixará sua velha inapetência sexual de lado para disputar, pelo corpo de Malkovich, a posse de Maxine (Catherine Keener), um típico exemplo de "beautiful people", linda, arrivista e inalcançável. Para a esposa, trata-se de conquistar o poder sexual (o falo). Para o marido, trata-se de satisfação profissional, fazendo de Malkovich sua marionete viva, um autômato. Desnecessário dizer que, na arte da manipulação, Maxine é a mais escolada. (TMM)