São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2001

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NAMORO OU AMIZADE

Produção de filmes para a televisão e minisséries que devem virar longas incrementam a integração entre TV e indústria cinematográfica

Telefilme aproxima televisão do cinema

AP
A atriz italiana Ornella Mutti, que irá atuar em "O Filho Predileto"; no alto,ao lado, o cineasta Hector Babenco, que vai dirigir "Carandiru"; abaixo, Ugo Giorgetti, que prepara o longa "O Príncipe"


DA REPORTAGEM LOCAL

O TÃO SONHADO namoro entre a televisão e o cinema ganha agora um empurrão: o telefilme (filme produzido especialmente para a TV), que deve ser o início desse romance.
O governo do Estado do Rio de Janeiro decidiu destinar uma verba de R$ 2 milhões para a produção de um telefilme. Por outro lado, a Globo Filmes (braço cinematográfico da TV Globo) deve começar a filmar em março seu primeiro telefilme, "O Filho Predileto", em co-produção com a Columbia e a principal rede de televisão italiana, a RAI. A produção será dirigida pelo cineasta Walter Lima Jr.
O filme, que será estrelado pela italiana Ornella Mutti, tem como enredo a história de uma mulher que vem da Itália para adotar uma criança brasileira. Anos depois, na Europa, descobre que a criança tem leucemia. A italiana volta ao Brasil e contrata um detetive para tentar localizar os pais e irmãos do menino. Só um transplante de medula de um irmão compatível poderá salvar a vida de seu filho.
Se der certo, o filme da Globo, que deverá ser exibido no final deste ano, poderá deslanchar um projeto de Daniel Filho, diretor de criação da emissora, de colocar no ar um telefilme por semana.
Essa idéia, no entanto, ainda é considerada um pouco utópica nos bastidores da emissora. Mais realista é a intenção da Globo de firmar um acordo com a Columbia para produzir pelo menos outros cinco telefilmes até o final de 2002.
Além dos telefilmes, a Globo Filmes promete deslanchar a produção de cinema neste ano. Associada a produtores independentes, a empresa deve se envolver em produções como "Carandiru", de Hector Babenco (R$ 10 milhões), "Redentor", de Cláudio Torres (cerca de R$ 3 milhões), "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, e um projeto de um filme com a dupla Sandy e Junior.
Dentro da TV Globo, acontece outro forte movimento para a integração entre o cinema e a televisão. Guel Arraes, que, com o "O Auto da Compadecida" comprovou que a união pode dar certo (leia texto ao lado), quer transformar mais duas minisséries em longas-metragens: "A Invenção do Brasil", projeto desenvolvido por ele, e "Luna Caliente", de Jorge Furtado. Arraes quer transformar essa prática em rotina.
Modelo europeu
Mariza Leão, vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria Cinematográfica do Rio de Janeiro, acredita que, apesar dos avanços para a união entre TV e cinema, ainda estão faltando algumas mudanças conceituais nessa relação.
Para ela, um dos problemas é que a fonte financeira das produções TV-cinema acaba sendo a mesma dos produtores independentes: os incentivos fiscais. "Seria interessante que as emissoras de TV investissem recursos próprios nas produções cinematográficas, como ocorre em vários países da Europa", afirma a produtora.
No caso da Globo Filmes, por exemplo, existe geralmente uma associação com produtores independentes, que captam recursos com a iniciativa privada. A verba fornecida pelas empresas é, com base nas leis de incentivo, abatida no Imposto de Renda.
Mariza Leão diz que a experiência européia, nesse caso, poderia ser mais interessante. "Nos países europeus costuma haver uma taxação sobre os lucros da TV, que vai para um fundo de investimento no cinema. Essa seria uma maneira de consolidar a indústria audiovisual, porque, atualmente, essa relação aqui no Brasil deixa a desejar", afirma.
TV Cultura
Outra tentativa de aproximação entre a TV e o cinema acontece em São Paulo por meio do PIC-TV (Programa de Integração Cinema-TV). O programa, que tem quatro anos, já destinou aproximadamente R$ 30 milhões para a produção de 48 filmes. Os filmes são exibidos no circuito comercial e na TV Cultura.
O cineasta Ugo Giorgetti produziu, com auxílio de recursos do PIC-TV, o longa "Boleiros" (1998) e prepara agora "O Príncipe", para o qual captou R$ 1,6 milhão, sendo metade desse valor oferecido pelo programa de integração.
"O programa é muito bom, mas gira em torno do Estado. Para nós interessam também as outras TVs. Mas, no meu caso, tudo o que tentei com emissoras comerciais deu em absolutamente nada", afirma o diretor.
Para ele, as TVs comerciais "não conseguem estabelecer com o cinema uma relação de igual para igual, mas do vencedor para o vencido". Giorgetti afirma que "a TV tende a fazer um tipo de filme parecido com sua programação, assim como só exibe filmes que se encaixam nesse perfil."
TV digital
O flerte da TV com o cinema também tem outro ingrediente: a tecnologia. Dentro de alguns anos, deve chegar ao Brasil a TV digital. Os novos aparelhos de TV terão tela horizontal, como a do cinema. Além disso, haverá maior uso da alta definição (HDTV). Esses dois fatores deverão aproximar a linguagem da TV com a do cinema.
Mariza Leão acredita que isso poderá colaborar com a união. "A tecnologia será importante. Outro fator que pode ajudar o cinema seria a aprovação da participação do capital estrangeiro nas emissoras, que teriam mais dinheiro para investir em produções."

DA REPORTAGEM LOCAL

O recém-criado Fundo Estadual de Apoio ao Cinema, do Rio de Janeiro, reservou R$ 2 milhões -quase 20% de seu total de recursos- para a produção de um telefilme.
Os nomes dos envolvidos na produção devem ser definidos por concurso, previsto para março.
A coordenadora de Ação Cultural e Turismo do Rio, Helena Severo, idealizadora do projeto, diz que a TV oferece a regularidade de que o cinema precisa para consolidar-se como indústria.
Em São Paulo, uma aproximação entre o cinema e a TV está sendo tentada há quatro anos, quando se instituiu o PIC-TV (Programa de Integração Cinema-TV).
Até hoje, o programa destinou aproximadamente R$ 30 milhões -entre recursos do governo de São Paulo e de empresas estatais- para a produção de 48 filmes, destinados à exibição no circuito comercial e também na TV Cultura.
"Assim ajudamos a TV Cultura em sua grade de programação, e a TV Cultura ajuda os filmes nessa mídia", diz o secretário de Estado da Cultura, Marcos Mendonça.
A idéia de associar o cinema e a televisão, no entanto, ainda parece pouco atrativa a muitos empresários. O PIC-TV propôs à Fiesp uma parceria no financiamento dos filmes. "Tentamos algo que não foi bem-sucedido", resume Marcos Mendonça.

DA REPORTAGEM LOCAL

Originalmente produzido para TV e maior sucesso de bilheteria do cinema nacional em 2000, com 2,82 milhões de espectadores, "O Auto da Compadecida" gerou polêmica no Grande Prêmio Cinema Brasil, que se realizaria ontem, em Petrópolis. Parte da comissão de especialistas em cinema que indicou os concorrentes ao prêmio do Ministério da Cultura era contra incluir na competição uma produção feita para a TV.
Venceu o argumento de que não se podia ignorar um filme que teve mais de 2 milhões de espectadores. "O Auto da Compadecida" concorreu em quatro categorias: longa, diretor, ator e roteiro.
Guel Arraes discorda da polêmica e da solução. "Não entendo como "O Auto" pode ter sua participação questionada, só porque passou antes na TV. Os filmes devem ser indicados por sua qualidade, não pela bilheteria. Se "O Auto" tivesse feito 100 mil espectadores, como a maioria dos nacionais, não concorreria? É maluquice."
A série custou R$ 2 milhões, e sua transposição para o cinema, R$ 400 mil. No fim-de-semana de estréia, o longa atingiu uma marca que não era alcançada por filmes nacionais havia cinco anos: 158.191 espectadores. Antes, o recorde era de "Xuxa Requebra", de 1999, que teve 173.965 espectadores, mas este estreou em 213 salas, contra 90 de "O Auto".



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