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CRÍTICA
Farinha eleitoral
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor-adjunto de Opinião
Domingo passado, na
noite da eleição, o professor José Arthur Giannotti, presidente do Cebrap,
analisava os primeiros
resultados das urnas no
programa de Paulo Henrique Amorim, na Bandeirantes. Mais de uma
vez, o filósofo salientou o
significado histórico da
eleição, segundo ele um
momento de consolidação da democracia no
Brasil.
Talvez Giannotti esteja
certo, e quem sabe num
futuro remoto os livros
didáticos se reportem à
era FHC como um período de grandes conquistas
democráticas num país
de história institucional
acidentada e cultura autoritária.
Para quem no entanto,
sendo jornalista, vive a
perspectiva miúda do
dia-a-dia e tem, além disso, o dever profissional
de acompanhar de perto
a TV não é essa a sensação que ficou do último
pleito.
Não é apenas porque
essa eleição foi particularmente despolitizada e
carente de debate, não é
apenas porque a própria
política assume função
cada vez mais decorativa
no mundo contemporâneo e tende a ser reduzida
a um ramo especializado
da publicidade, não é só
porque o presidente do
órgão responsável pela lisura do processo eleitoral
declarou publicamente
que a vitória de um dos
concorrentes era "indispensável" ao futuro do
país -não é só por isso
que a democracia por
aqui anda mal das pernas. A TV também ajuda
a fazer desse país uma
fantasia democrática.
Voltemos a 89, mais
precisamente ao dia 15 de
dezembro daquele ano,
uma sexta-feira. Está no
ar o "Jornal Nacional".
Não é um dia qualquer. É
dia de noticiar, a menos
de 48 horas do segundo
turno da eleição presidencial entre Lula e Collor, o debate travado pelos candidatos na noite
anterior. A edição do debate, muitos se lembram,
se fez à moda da casa.
Collor massacrou Lula
no "JN".
Terminada a edição,
surge na tela Cid Moreira, o eterno porta-voz
oficioso, e pergunta com
ar de satisfação: "E
quem venceu o debate?".
A resposta vem envolta
em cientificidade, na forma de uma pesquisa do
instituto "Vox Populi",
que o "JN" omitiu ser
então também contratado pelo PRN. Resultado:
Collor apresentou
"idéias mais claras", "é
mais preparado", "tem
os melhores planos de
governo". Bingo.
Boni, então vice-presidente de Operações da
Globo, admitiu na época
"erro de avaliação" da
emissora e disse que o
"JN" teria refletido
"com uma pitada de exagero" a vantagem que
Collor obteve sobre Lula.
Corta a cena. Retornemos a 98, precisamente
ao "JN" de sábado, 3 de
outubro, dia que antecedeu o primeiro turno.
Pesquisa do Ibope sobre
a disputa paulista. Onde
está Wally, quer dizer,
Marta Suplicy? Não está,
"foi sumida" da tela.
Para o espectador do
"JN", a eleição estaria
sendo disputada de fato
por apenas três concorrentes -Maluf, Rossi e
Covas. Como se vê, mudam os procedimentos,
mas não os propósitos.
Não se trata aqui, é
sempre bom deixar claro
em respeito aos parvos,
de defender uma ou outra candidatura, um ou
outro partido. Os petistas
que defendam Marta Suplicy. Aliás, vista de perto, a opção do PT por
uma candidatura de tipo
"radical chic" -ou
"diferente"- em São
Paulo é também um sintoma de estetização e esvaziamento da política.
Trata-se, isto sim, de
insistir que não há só remédios sendo manipulados no país. O cidadão
está consumindo pílulas
de farinha eleitoral. Entre
nós, a TV, uma certa TV,
é um empecilho à cidadania, um estorvo à democracia.
Saio em férias a partir
de hoje. Devo retomar a
coluna no dia 22 de novembro.
E-mail: fbsi@uol.com.br
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