São Paulo, domingo, 11 de outubro de 1998

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CRÍTICA

Farinha eleitoral

FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor-adjunto de Opinião

Domingo passado, na noite da eleição, o professor José Arthur Giannotti, presidente do Cebrap, analisava os primeiros resultados das urnas no programa de Paulo Henrique Amorim, na Bandeirantes. Mais de uma vez, o filósofo salientou o significado histórico da eleição, segundo ele um momento de consolidação da democracia no Brasil.
Talvez Giannotti esteja certo, e quem sabe num futuro remoto os livros didáticos se reportem à era FHC como um período de grandes conquistas democráticas num país de história institucional acidentada e cultura autoritária.
Para quem no entanto, sendo jornalista, vive a perspectiva miúda do dia-a-dia e tem, além disso, o dever profissional de acompanhar de perto a TV não é essa a sensação que ficou do último pleito.
Não é apenas porque essa eleição foi particularmente despolitizada e carente de debate, não é apenas porque a própria política assume função cada vez mais decorativa no mundo contemporâneo e tende a ser reduzida a um ramo especializado da publicidade, não é só porque o presidente do órgão responsável pela lisura do processo eleitoral declarou publicamente que a vitória de um dos concorrentes era "indispensável" ao futuro do país -não é só por isso que a democracia por aqui anda mal das pernas. A TV também ajuda a fazer desse país uma fantasia democrática.
Voltemos a 89, mais precisamente ao dia 15 de dezembro daquele ano, uma sexta-feira. Está no ar o "Jornal Nacional". Não é um dia qualquer. É dia de noticiar, a menos de 48 horas do segundo turno da eleição presidencial entre Lula e Collor, o debate travado pelos candidatos na noite anterior. A edição do debate, muitos se lembram, se fez à moda da casa. Collor massacrou Lula no "JN".
Terminada a edição, surge na tela Cid Moreira, o eterno porta-voz oficioso, e pergunta com ar de satisfação: "E quem venceu o debate?". A resposta vem envolta em cientificidade, na forma de uma pesquisa do instituto "Vox Populi", que o "JN" omitiu ser então também contratado pelo PRN. Resultado: Collor apresentou "idéias mais claras", "é mais preparado", "tem os melhores planos de governo". Bingo.
Boni, então vice-presidente de Operações da Globo, admitiu na época "erro de avaliação" da emissora e disse que o "JN" teria refletido "com uma pitada de exagero" a vantagem que Collor obteve sobre Lula.
Corta a cena. Retornemos a 98, precisamente ao "JN" de sábado, 3 de outubro, dia que antecedeu o primeiro turno. Pesquisa do Ibope sobre a disputa paulista. Onde está Wally, quer dizer, Marta Suplicy? Não está, "foi sumida" da tela. Para o espectador do "JN", a eleição estaria sendo disputada de fato por apenas três concorrentes -Maluf, Rossi e Covas. Como se vê, mudam os procedimentos, mas não os propósitos.
Não se trata aqui, é sempre bom deixar claro em respeito aos parvos, de defender uma ou outra candidatura, um ou outro partido. Os petistas que defendam Marta Suplicy. Aliás, vista de perto, a opção do PT por uma candidatura de tipo "radical chic" -ou "diferente"- em São Paulo é também um sintoma de estetização e esvaziamento da política.
Trata-se, isto sim, de insistir que não há só remédios sendo manipulados no país. O cidadão está consumindo pílulas de farinha eleitoral. Entre nós, a TV, uma certa TV, é um empecilho à cidadania, um estorvo à democracia.

Saio em férias a partir de hoje. Devo retomar a coluna no dia 22 de novembro.

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