São Paulo, Domingo, 12 de Dezembro de 1999


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CRÍTICA

Frustração democrática

Fernando de Barros e Silva

DIÁRIO OFICIAL
Hoje reabilitado na Globo, Alexandre Garcia brilhou na era Collor, quando a emissora renovou seu fôlego governista


A SSIM como há uma história do regime militar, a abertura democrática também já tem a sua. Lá se vão 15 anos das Diretas-Já e, no próximo dia 17, completa-se uma década da eleição de Fernando Collor. Efemérides convidam a balanços. No caso da Rede Globo, uma avaliação de conjunto se torna mais necessária na medida em que, ainda hoje, a imagem da emissora está associada ao regime militar, quando se tornou hegemônica e do qual se tornou a grande porta-voz. Sem desconsiderar a importância desse passado mais remoto, já é possível esquadrinhar uma história da "Globo democrática". Como a abertura, que não cumpriu o que prometia e foi empilhando frustrações, das quais somos hoje o resultado incerto, o saldo da trajetória da Globo, especificamente de seu jornalismo nos últimos 15 anos, não é nada bom, sendo simpático.
A forma como a emissora escondeu do telespectador a campanha das diretas em 84 é um marco. Já foi considerada pelo próprio Boni como o "pior momento" do telejornalismo da casa. A omissão, no entanto, foi precedida por um episódio que também poderia receber o título de Boni: a tentativa de fraudar, em 82, o resultado da eleição ao governo do Rio, quando venceu Leonel Brizola.
Pois bem, das diretas a Collor, durante o interregno Sarney, Roberto Marinho seguiu atuando como poder paralelo da República. Mailson da Nóbrega, por exemplo, foi anunciado como ministro da Fazenda em um plantão do "JN", antes mesmo que Sarney o convidasse oficialmente para o cargo. Quer dizer, o ministro soube que era ministro por intermédio da Globo. Havia sido sabatinado antes por Marinho, que o "aprovara".
Chega então a hora da eleição presidencial de 89. A Globo tinha menos um candidato, Fernando Collor, do que seus anticandidatos, Lula e Brizola. Mas vinha mantendo ao longo do segundo turno a preocupação de dedicar espaço idêntico aos dois presidenciáveis. Uma formalidade nada desprezível que, mal e mal, parecia fazer evoluir o jornalismo, até que Lula ameaçou chegar lá. Isso ocorreu apenas na última semana da campanha. A célebre edição do debate no "Jornal Nacional", dois dias antes da votação, jogou então todos os esforços por terra. Na hora do aperto, o poder paralelo falou mais alto, como de hábito.
Hoje, à distância de dez anos, soa como um escárnio sintomático o editorial lido por Alexandre Garcia no encerramento do "JN" daquele dia 15 de dezembro de 89. Era uma ode à democracia e ao papel da TV na sua consolidação. Ouvia-se de sua voz: "Ter participado daqueles momentos (da transmissão do debate) em que a televisão foi confirmada como principal veículo no principal processo da democracia, que é a eleição, é algo que muito nos orgulha". Começava assim a "Era Alberico".
Alberico Souza Cruz, amigo dileto de Collor e responsável direto pela famosa edição do debate, foi alçado à direção do jornalismo meses depois. Foi uma decisão pessoal de Roberto Marinho, ao que parece contrariando os filhos, que preferiam Evandro Carlos de Andrade, no cargo desde 95. Sob Souza Cruz, a Globo prolongou por cinco anos sua simbiose com o poder, aprofundando-a.
É preciso perguntar o que mudou na emissora desde a ascensão de Evandro Carlos. É evidente que ele foi posto ali para executar um trabalho de faxina, mais virtual do que efetiva, é o que às vezes parece. Não deve ser fácil varrer toneladas acumuladas de entulho antidemocrático. Mais do que pluralista e isento, itens nos quais a Globo de fato evoluiu, o que grita no noticiário do "JN" é a sua despolitização.
Uma pesquisa ainda não publicada em livro, realizada pelo sociólogo Fernando Antônio de Azevedo, da Universidade Federal de São Carlos, é ilustrativa do que é o jornalismo da nova Globo. Azevedo contabilizou, entre outras coisas, os temas gerais das manchetes do "JN" (chamadas de destaque na abertura do telejornal) durante a campanha presidencial de 98. Resultado: 2,8% tinham conteúdo político; 7,4%, conteúdo econômico; e nada menos que 89,8% foram dedicadas ao que ele chama de "conteúdo social" ou "outros" ( de "hard news" a "faits divers"). Diz o pesquisador: "Estes números confirmam um crescente processo de despolitização do "JN" em favor de um formato cada vez mais ancorado em matérias intemporais, de comportamento e casos policiais, colocando, assim, em xeque a afirmação, corrente e baseada no senso comum, de que aquele noticiário ainda tem uma influência determinante no processo de escolha eleitoral".
Não iria tão longe. "Esconder" a crise econômica na reta final da disputa em 98 é também uma maneira de interferir no processo eleitoral. Se a campanha, praticamente inexistente, tivesse sido polarizada, qual seria o comportamento da Globo? Não existe "se" em história, tudo bem, mas a pergunta é legítima. O fato é que, nos seus 30 anos, o jornalismo da Globo nunca foi independente e, em momentos críticos, nem sequer jornalismo foi. Esse é um entrave ao funcionamento da democracia no país? Ou devemos acreditar no ""orgulho" de Alexandre Garcia?


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